terça-feira, 10 de janeiro de 2006

Artigo da manhã

Considerações sobre o Voto Nulo
por Ipojuca Pontes em 09 de janeiro de 2006

A discussão sobre o voto nulo está na ordem do dia. Grande parte do eleitorado começa a considerá-lo uma alternativa válida para as próximas eleições, tanto no que diz respeito ao pleito majoritário (presidente, governador e senador), quanto ao pleito proporcional (deputado federal e estadual). Se o movimento não arrefecer, o cidadão brasileiro terá uma oportunidade única para aperfeiçoar as regras do jogo, ao exercer o legítimo direito de acionar o voto nulo.
Antes de tudo, diga-se que o voto nulo não é um ato contra a democracia. Pelo contrário: anular o voto, para além de significar vigoroso protesto contra os partidos e os políticos indesejáveis, que transformaram as eleições num jogo viciado, se afirma como uma recusa plena de múltiplas intenções e que atende às exigências das mais diversas camadas do eleitorado consciente.
Para os conservadores e liberais, por exemplo, o voto nulo pode significar a recusa ao pensamento único que se instalou na vida política brasileira, onde vige a predominância exclusiva da ideologia esquerdista, afeita ao mais desabrido culto do intervencionismo estatal como forma de atender ao que se convencionou chamar de “demandas públicas”, o apanágio malandro de políticos como José Serra, Lula, Alckmim, FHC, Heloísa Helena, César Maia, Garotinho e o atrevido Ciro Gomes, uns e outros socialistas “utópicos” ou “científicos”.
De fato, neste sentido, o voto nulo pode ser entendido como o repúdio possível ao pensamento político que leva ao fortalecimento do Estado e sua corrosiva presença, consubstanciado num sem-número de ministérios e empresas públicas, o que significa dizer, mais subsídios, impostos, empreguismo, mordomias, privilégios, corrupção, roubos, aumentos das tarifas públicas acima da inflação, isonomias salariais (pelo alto) para políticos e burocratas de todos os governos – de custo muito pesado que molestarão, inevitavelmente, o bolso do cidadão que está fora da dança.
Por outro lado, para os amantes da democracia representativa, o exercício do voto nulo pode abrir os caminhos, mais tarde, para a extinção do voto obrigatório, uma perversão autoritária inexistente nos países civilizados e que obriga o cidadão-contribuinte a fazer o que não deseja: votar, por força de lei, em políticos manhosos, hipócritas e desclassificados.
Ademais, com a prática do voto nulo, em determinados momentos a mais eficiente arma que se dispõe na democracia brasileira, o eleitor, por meio de campanhas e mobilização geral, poderá exigir que o exercício do mandato representativo, majoritário ou proporcional, venha a se tornar um “ato voluntário”, como ocorre em países como Suíça e alguns estados dos EUA, o que significa dizer que o político idealista e generoso, empenhado em nos salvar, não arrastará mais um só centavo da nossa exaurida carteira: ele será um “voluntário”.
O mais positivo na prática do voto nulo é, sem sombra de dúvida, a possibilidade do eleitor “interagir” no processo eleitoral, a partir da regra estabelecida de que, no segundo turno, se nenhum candidato conseguir a maioria (mais de 50% dos votos), a eleição está obrigatoriamente cancelada e um novo pleito será realizado. Melhor ainda: é automático o afastamento dos candidatos, pois eles não poderão mais concorrer à eleição e serão substituídos por novos nomes (não se trata aqui de devaneio: nas últimas eleições, conforme rezou a lei, 28 municípios do País tiveram suas eleições anuladas pelo imperativo do voto nulo).
Os formadores de opinião “politicamente corretos”, comprometidos com a supremacia do pensamento único acham que o voto nulo, além de inútil, pode representar um efeito adverso ao pretendido. Eles acreditam que só pelo exercício do “voto útil”, pode-se melhorar a “qualidade da nossa vida político-partidária” (editorial de “O Globo”, em 03/01/2006). Trata-se de uma projeção panglossiana, para não dizer idiota, que não bate com a realidade. Pelo contrário. Com o desaparecimento do contraditório, e de políticos do porte de um Afonso Arinos, por exemplo, a cada eleição a representatividade política do País só faz piorar. E não poderia ser de outro modo, pois a essência da atividade política no Brasil e na América Latina tem sido o exclusivo cultivo, pelos partidos ditos “progressistas”, do populismo e da demagogia – refinada ou grosseira – como forma de se chegar ao poder.
Assim, mais do que um protesto, o voto nulo, na atual fase da vida brasileira, é uma necessidade. Como já foi dito, ele é importante porque pode se tornar um instrumento de combate na luta pelo aperfeiçoamento da democracia. Mais do que um veio de insatisfação, o voto nulo é uma forma automática de cancelar eleições e expelir do processo candidaturas nefastas – o que representa um avanço político admirável.
Ao que se informa, o grande obstáculo para que o voto nulo torne-se uma prática corrente é a sua difícil ou ainda não esclarecida operacionalidade. Nas instruções de votação e uso da urna eletrônica, não se toca no assunto, nem se explica como anular o voto. Seria de propósito? Claro que sim! Para confundir o eleitor, a urna eletrônica acionada indica que o presumível voto (nulo) é “errado”, surgindo na tela o pedido para que o eleitor corrija a digitação. Trata-se, até prova em contrário, de um engodo programado.
Para acionar o voto nulo basta o cidadão digitar um número que não pertença a nenhum candidato. E depois, mesmo com o aparecimento do aviso “errado”, é só apertar a tecla verde para confirmar o voto nulo. Com o gesto, o eleitor acaba por mandar Lula e espécimes congêneres para o olho da rua.
Tem voto mais útil?

O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

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