quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Artigo da tarde




Quem vive na Lua não vê crateras
AUGUSTO NUNES (JB 10/01/2006)
O presidente Lula vive proclamando que conhece de perto o país inteiro. Circulou pelo Brasil profundo muito mais que andarilhos patológicos. Sobre estradas, trilhas e picadas, colecionou milhagens muito superiores às de veteranos motoristas de caminhão. Começou a perseguir a façanha ainda menino, quando trocou por São Paulo o agreste pernambucano. Conquistou o troféu na campanha de 1994.
Naquele ano, militantes do PT animaram a caça ao voto com as chamadas ''caravanas da cidadania''. Lideradas por Lula, candidato à Presidência, multidões de petistas acotovelados em todos os tipos de veículos percorreram tanto as grandes rodovias quanto os caminhos perdidos nos grotões. Foram muitos milhares de quilômetros. Um sucesso.
Na época, as estradas já não eram lá essas coisas. Mas eram ao menos transitáveis. Não houve acidentes graves, nenhum carro foi tragado por crateras no asfalto. Lula pôde viver sem maiores sobressaltos uma experiência hoje desaconselhável a brasileiros prudentes. Enfrentar as rodovias do Brasil é uma aventura de alta periculosidade.
Seria o último giro de Lula pelos chãos do país. Na campanha de 1998, as ''caravanas da cidadania'' não se moveram. O candidato sem chances limitou-se a tristonhas incursões em aviões de carreira. Faltava o dinheiro que sobraria em 2002, quando os generosos gestores do valerioduto passaram a patrocinar o PT.
Caravanas como as de 1994 viraram coisa de pobre. Os mandarins petistas agora circulavam a bordo de aviões fretados, jatinhos cedidos por novos amigos e outros requintes aéreos. Em vez de lugarejos miseráveis, trilhas enlameadas e estradas implorando por cuidados, Lula via nuvens.
A milhares de metros de altura, não há problemas no solo. Não se enxerga um buraco na estrada. Vitorioso, Lula imaginou que governaria o país que vira de perto oito anos antes. Mas o que era ruim ficara pior. Os caminhos que nunca mais revisitara, por exemplo, estavam em frangalhos.
De 2003 para cá, o governo federal não construiu uma única estrada, não pavimentou um milímetro de terra, não recapeou um centímetro de asfalto, não fechou qualquer buraco nas pistas assassinas. O sistema de transportes só não conhecera a completa paralisia graças a governos estaduais que cuidaram dos caminhos sob seu controle.
Milhões de brasileiros bradam há tempos contra essa negligência criminosa. O piloto honorário do AeroLula demorou a ouvir o som do pânico. Confrontado com o barulho, não pareceu assustado: improviso é com ele mesmo. Reuniu-se com o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, e em poucos minutos estava montado o plano de emergência. Buracos e crateras serão exterminados durante o ano eleitoral de 2006.
Um genuíno estadista teria detalhado ainda antes da campanha um programa de recuperação da malha viária. O presidente Lula só pensou no caso depois de três anos no poder. Invocando o cansativo cacoete verbal, jurou que ninguém neste país jamais fez o que fará. Até o fim do ano, sumirão as crateras abertas em 26 mil quilômetros de rodovias federais.
Preço da façanha: R$ 440 milhões. Parece muito. Não é. A cada ano, é essa a quantia consumida pelos trabalhos de manutenção da Via Dutra e do complexo Anhanguera-Bandeirantes, em São Paulo. São quase 2 mil quilômetros, administrados por uma empresa privada. A malha viária paulista figura entre as melhores do mundo. A federal é uma das piores.
O presidente Lula e o ministro Nascimento merecem ser condenados a só viajar por terra durante a campanha eleitoral de 2006. Talvez sobrevivam.

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