sexta-feira, 7 de abril de 2006

Artigo


“LIÇÃO DE CONSCIÊNCIA”
Percival Puggina


Há muito tempo, precisando ler ou reler algum discurso de Lula, eu acessava o site da Radiobrás onde estavam transcritas as íntegras de todos os pronunciamentos presidenciais. No último dia 28, ouvi pelo rádio do carro a fala de Lula no ato de posse de Guido Mantega. Enquanto dirigia, ia me divertindo com aquela arenga porque, bem no feitio de seus improvisos, Lula desfiava frases desconexas e saltitava entre vários assuntos, atropelando concordâncias, inventando formas verbais, discorrendo sobre a história do Brasil, e proclamando suas demasias. Naquele discurso, porém, Lula se excedeu e chegou ao cúmulo de afirmar que vai entregar o Brasil “numa situação infinitamente melhor do que recebeu”. E, para não deixar dúvidas sobre o valor do expoente matemático que estava usando para definir os avanços de seu governo, repetiu sob aplausos da lúcida assistência: “infinitamente melhor!”. “La pucha!”, pensei eu.

Em certo momento, o presidente desandou a filosofar sobre alegrias e prazeres, sobre os fatos da vida, e, subitamente, dirigindo-se a Palocci, disparou a frase que conquistou algum destaque no dia seguinte: “Penso que tudo isto significa, para um jovem como você, apenas mais uma lição, um aprendizado, que, certamente, encaixou na sua consciência.” Não li, porém, nos veículos que destacaram a frase, uma linha sequer sobre o que o presidente efetivamente quis dizer com aquilo.

Foi então que decidi escrever este artigo e acessei o site da Radiobrás para recuperar a íntegra do pronunciamento. No entanto, o banco de dados dos discursos de Lula, havia sumido. Perdeu-se aquela fonte de tolices. Para produzir as transcrições acima foi preciso um pouco de sorte e encontrar o áudio da fala presidencial ainda disponível no site de O Globo.

Num ato político tão significativo como a queda de seu ministro da Fazenda, o presidente lhe fala em “lição de consciência”. Qual o significado dessa frase? Estaria o presidente afirmando que a consciência de Palocci precisava de uma lição? Como conciliar isso com o restante da fala, repleta de elogios e afeto? O que seria o “tudo isso” que Lula julga ter servido de lição ao “companheiro mais do que irmão” Palocci? Seria tudo tudinho mesmo? A multifuncional mansão no lago, os fatos de Ribeirão Preto, as persistentes relações com Buratti, o extrato da conta bancária do caseiro? É surpreendente o tratamento dispensado pela grande mídia a uma afirmação tão importante e, ao mesmo tempo, tão enigmática.

Pessoalmente cheguei a uma conclusão. Aquilo foi dito de caso pensado. Lula, enquanto abraçava e beijava Palocci, despachava-o para longe de si com uma frase cujo resumo é este: “Espero que isto te sirva de lição”. E Palocci foi para o mesmo lugar onde já estão tantos ex-amigos íntimos de um presidente que, a estas alturas, só cuida de tirar o seu da reta.

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