sábado, 5 de agosto de 2006

Artigo

VAI UM PRIVILÉGIO, AÍ?
Percival Puggina

Imagine, leitor, que você soubesse da existência de um privilégio disponível em algum lugar e ainda não buscado por alguém. Era só ir até lá acompanhado de um “pistolão” com prestígio suficiente para concedê-lo. Você iria? Ao ponderar essa questão no íntimo de sua consciência você certamente levaria em conta noções do tipo: “se eu não for alguém vai”, ou “pistolão existe para isso, mesmo”, ou ainda, “não fui eu quem criou o privilégio, se ele está lá é para ser buscado”.

Não se amargure, meu amigo, minha amiga, com a possível brecha que a questão proposta acima possa sinalizar na rigidez de seu caráter. O problema, em princípio, não está na decisão que você tome; ele reside na existência do privilégio e nos padrões políticos e sócio-culturais que o criaram. É evidente que todo privilégio é abusivo na medida em que dele fica excluída a maioria; partilhado por muitos ou por todos, o privilégio perde a finalidade (e a graça).

Existem vários tipos de privilégios. O estacionamento coberto, o elevador privativo, a carteirinha que permite entrar de graça onde outros pagam, por exemplo, são expressão pequena de um mal muito maior. Sua expressão mais nociva está nos privilégios buscados junto às instituições públicas, convertidos em lei, constituídos em direito adquirido, de modo a produzir efeitos permanentes.

Tais privilégios são a vareta dos trapezistas da cena política nacional. É graças a essa vareta que eles se equilibram e não caem. E é por causa dela que o bem comum falece e a sociedade brasileira tarda em desenvolver uma cultura de justiça e eqüidade. Examine a pauta de qualquer casa legislativa (municipal, estadual ou federal); exclua os projetos de origem dos respectivos poderes executivos, e você verá que a maior parte do esforço legislativo está centrado na distribuição de favores públicos.

Por quê? A razão é sempre a mesma: o nosso sistema eleitoral, a regra do jogo político, permite que a maioria dos parlamentares se eleja mediante votos obtidos junto a grupos de interesse em nome dos quais trabalham, junto aos quais depositam sua fidelidade e com cujo benefício se comprometem de modo exclusivo. Enquanto a sociedade não perceber isso e não se empenhar na mudança da regra do jogo, continuaremos aplaudindo os mesmos atletas e suas reprováveis piruetas.

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