domingo, 6 de agosto de 2006

Artigo

A campanha vazia
Villas-Bôas-Corrêa

A longa e interminável temporada de escândalos da praga da corrupção esgotou a paciência, a capacidade de indignação da população enojada e farta. As novidades de cada dia escorrem pela alarmante indiferença, pelo conformismo que se resguarda na justificativa de que não há concerto para o que nasce torto ou que o exemplo vem do alto.

A safra de cada dia acrescenta o novo estouro que poucos ouvem e prestam atenção. Muitas são notícias requentadas ou ampliadas, como a repulsiva decisão da maioria, da quase unanimidade dos partidos de garantir a legenda, para disputar a reeleição, aos investigados pela CPI dos Sanguessugas – a bandalheira recordista do governo do presidente-candidato Lula e, não por acaso, o PT foi o primeiro a perdoar, entre lágrimas, até os parlamentares denunciados pelas CPIs dos Correios e do Bingo e pelo Conselho de Ética e assegurar-lhes a vaga na chapa partidária.

As justificativas, de um cinismo sem jaça, percorrem a escala do amparo aos companheiros caídos em desgraça à da dependência dos votos dos faltosos para fortalecer o partido.

Cada dia parece que a patifaria passa da conta. Qual, a imaginação dos espertos é um saco sem fundo. As suspeitas de ligação dos ex-ministros da Saúde do governo Lula, Humberto Costa (PT) e Saraiva Felipe (PMDB), com a máfia das ambulâncias, forçaram o relator da CPI dos Sanguessugas, senador Amir Lando (PMDB-RO), a criar uma sub-relatoria para investigar o Executivo. E na fila dos suspeitos, além da Saúde, perfilam-se os ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia.

Ora, sem Congresso não há democracia. Convém lembrar o truísmo enquanto é tempo de sacudir a campanha eleitoral da pasmaceira do desempenho dos candidatos que lideram as pesquisas, convocando-os a assumir as responsabilidades pela limpeza do Legislativo.

Pode ser cômoda a desculpa eterna, que invoca a soberania dos poderes, para fugir dos riscos da inequívoca responsabilidade diante da ameaça de uma recaída na aventura da crise institucional.

Sozinho, sem ajuda, o Parlamento não sai da cisterna em que se emporcalhou. E o eleitor não fará a sua parte sem a mobilização da sociedade, pela iniciativa das suas tradicionais lideranças.

O candidato-presidente já disse todas as tolices do seu repertório e da autolouvação do maior governo de todos os tempos. Os sinais de alerta da fadiga do eleitorado rondam o seu favoritismo e alertam para a urgência de uma correção da rota da soberba para a aterragem na dura realidade.

Convém puxar a aba do paletó do candidato oposicionista, o tucano Geraldo Alckmin, para temperar o discurso com as pitadas de sal da denúncia da falência do Congresso.

O horário eleitoral em rede de rádio e TV, que começa no próximo dia 15, é a esperança para massificação do protesto que necessita sair à rua. O voto nulo é a fuga, não é o grito de indignação. Se os partidos se acumpliciam com a clara manobra da absolvição dos envolvidos na série de assaltos aos cofres da viúva – do valerioduto que abasteceu o caixa dois para o financiamento das campanhas do presidente Lula, do PT e aliados; do mensalão para a compra e aluguel de parlamentares – e, agora se esquivam diante do lamaçal podre da compra de ambulâncias, ônibus escolares superfaturados, a insensatez covarde desaguará fatalmente na pregação golpista.

É duplamente calhorda e pulha a escusa dos candidatos e dirigentes partidários em aprofundar a análise do flagelo da corrupção com a desculpa de que as urnas não renovarão os mandatos dos ladrões. Só a extensão da lista dos citados nos relatórios das CPIs, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público, da Polícia Federal e outros confirmam a dificuldade do eleitor para a triagem do joio misturado com o trigo.

E não é só. Compete aos partidos, aos estudantes, às entidades de classe, aos segmentos organizados da sociedade a liderança que esclareça a inutilidade do voto nulo, que só ajuda os corruptos, e iniciar o debate que imponha aos candidatos o compromisso claro, nítido e detalhado com a proposta de reforma política abrangente.

Se deixar por conta do Congresso, o corporativismo passará a mão pela cabeça dos companheiros injustiçados. E não irá além dos remendos óbvios como o financiamento público das campanhas, o controle e redução das emendas de parlamentares ao Orçamento e outras panacéias, úteis, mas insuficientes.

Para cortar as pelancas das mordomias, das vantagens, dos privilégios, da madraçaria da semana de dois a três dias é preciso que o povo proteste e use o voto como a arma da cidadania consciente e possessa.

A raiva, bem utilizada, é um santo remédio.

Cura até sem-vergonhice.

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