domingo, 17 de dezembro de 2006

Artigo

Joios e trigos
Luiza Carlos Prates - Diário Catarinense


Às vezes tenho vontade de sair correndo. Paro e fico no mesmo lugar. Correr para onde? E de que adiantaria? Sabe o que é, leitora, é um desânimo anímico que me percorre a espinha, um desalento existencial diante dos descaminhos do cotidiano. Sei, a frase está fechada. Vou abri-la. Meu desânimo, minha vontade de fugir para o mato, vem da subversão moral por que passamos. É um desalento. Ainda ontem peguei um jornal, um grande jornal brasileiro, e toda a página da frente de um caderno desse jornal estava destinado a um jovem mulher que dizendo-se, sem "provas", ter sido prostituta, ganhou mais uma vez página inteira. Ela chega a ser comparada a Paulo Coelho, uma campeã de vendas.

Sim, eu sei que os jornais precisam abrir espaços generosos para o joio, trigo não dá Ibope, não vende jornais, não eleva a audiência das tevês, nada. O povo não quer o "trigo" das notícias, quer os "joios". Isso desanima. Uma mulher faz sucesso, ganha aplausos, cortesias, filas de autógrafos, paparicos nauseabundos por dizer-se prostituta arrependida. É muito fácil uma mulher dizer-se ex-prostituta e contar histórias, histórias duvidosamente vividas. E as provas, como é que alguém pode ter certeza de que ela, de fato, foi prostituta e fala a verdade?

Mas até aí nada. O que me irrita é que as pessoas de bem, os bons colegas, os profissionais dedicados, os caras que suam a camisa pela empresa, mais das vezes, o que recebem são pontapés, indiferenças. Bom-caráter é destestável hoje em dia, chega a ser repelente, ora já se viu, bom-caráter. Na moda estão os sanguessugas, os patifes sanguessugas, as vadias, os guris drogados, os bandidos de facções, os infiéis dos casamentos, os trapaceiros das empresas, ah, esses são respeitados.

E não sou eu a dizer isso, são as notícias. Não houvesse a deificação dos canalhas, ah, a eleição teria outros números no dia 2 de outubro, ah, se teria... Mas o povo indiferente, muitos são honestos só por falta de oportunidade para meter a mão, dá de ombros, não está nem aí a ex-prostituta - e não tenho qualquer certeza sobre essa prostituição, pode ter inventado tudo, uma armação - e aí ganha páginas e páginas de jornais. Já uma guria que ajude em casa, seja estudiosa, boa filha, boa amiga, boa funcionária, boa isso, boa aquilo, é considerada uma tonta, sem cortesias nem mesuras, uma trouxa, isso sim. E está certo isso?

Garotão correto, bom sujeito, comportado, sem vícios, ah, esse é "suspeito" para os imbecis e molambentos da mesma idade. Olhe, leitora, enquanto não houver uma cáustica revolução moral, só mesmo fugindo. Mas para onde? Que tristeza quando os desregrados são aplaudidos e viram capas de jornal.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prostituição é profissão reconhecida e regulamentada pelo Ministério do Trabalho, ô Prates. Tem até manual de conduta!