terça-feira, 1 de maio de 2007

Artigo


CONSENSO E FALTA DE SENSO
Percival Puggina
Revista Voto, edição de abril de 2007


Sabe o leitor qual o principal problema do Brasil, nestes anos de trevas? É o fato de termos firmado amplos consensos nacionais, completamente equivocados, sobre temas da mais alta relevância. E essa é a sepultura das esperanças de dias melhores.

Somente um vasto trabalho de desinformação e manipulação é capaz de desorientar um povo inteiro. O povão é a última ponta de um longo novelo de confusão mental e incapacidade de análise que começa nas elites e, a partir delas, através de inúmeros fios condutores, chega ao conjunto da sociedade. Os exemplos são incontáveis, mas quero me ater, aqui, apenas aos que interessam ao público leitor da aniversariante do mês, a nossa revista Voto.

Listarei alguns desses consensos totalmente destituídos de senso:

1º) Democracia se faz como nós a fazemos no Brasil. Ora, isso é um completo absurdo. As regras do jogo político que adotamos se alinham entre as piores do mundo e, porque são assim, produzem, sistematicamente, péssimos resultados.

2º) Condição essencial para a democracia é a eleição direta dos governantes. Outra imensa tolice. As melhores democracias do planeta escolhem seus governantes por outros métodos.

3º) O presidente da República tem que ser ao mesmo tempo chefe de Estado, do Governo e da Administração. Por que será que a maior parte dos países desenvolvidos não concorda com isso e separa, nitidamente, as três funções?

4º) Deputados devem defender os interesses de seus representados. Errado! E mais errado ainda quando se adota um sistema de eleição proporcional que favorece a representação política dos grupos de interesse. Aí tudo vira negócio e tudo é negociável. A função essencial de um deputado é a de representar as opiniões de seus eleitores.

5º) Qualquer reforma política precisa impor a fidelidade partidária, punindo quem trocar de partido com perda de mandato.

Este último item merece grifo porque talvez seja o mais consensual dentre todos. Quase 200 deputados trocaram de partido na legislatura passada! “Escândalo”, diz-se. E daí? Qual delito não teriam cometido os corruptos, os sanguessugas e os mensaleiros se tivessem, por força de qualquer lei, permanecido fiéis às suas legendas originais? Que diferença faz para o país se um deputado venal deixa o Partido A e vai para o B, ou para o C, ou para o Z?

A própria OAB encaminhou ao Congresso Nacional um conjunto de propostas sobre Reforma Política quase totalmente inaproveitável, dando ênfase à “fidelidade partidária”, como se os maus congressistas fossem mudar de caráter porque contidos no ninho partidário original. Ora, se um foro técnico privilegiado como a OAB não enxerga o problema, se as elites nacionais são incapazes de lidar com conceitos tão elementares, então fica totalmente impraticável encontrar a solução.

Um dia – certamente já estarei morto – as elites brasileiras, num rasgo de discernimento, deixarão de reclamar dos efeitos e se dedicarão à tarefa de corrigir as causas. Aí, então, perceberão que: a) se temos infidelidade partidária é porque grande parte de nossos deputados são fiéis aos grupos de interesse junto aos quais buscam os votos e não aos partidos que usam como meros cartórios para registro de suas candidaturas; b) se nossos partidos são verdadeiros colóides filosóficos, sem opinião sobre coisa alguma, é porque adotamos um sistema que estimula sua multiplicação e os atrai para os governos, quaisquer governos, como formigas são seduzidas pelo mel; c) se os governos são entes informes compostos sobre a farta e onerosa distribuição de cargos e favores é porque os governantes se obrigam, após eleitos, a ter e manter suas bases parlamentares de apoio.

E por aí vai. Eu poderia e deveria continuar, mas acabou o espaço. E, bem antes dele, a esperança.

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