sexta-feira, 20 de abril de 2007

Artigo

DE BOITATÁS E LOBISOMENS
Percival Puggina - Zero Hora


Quando nossos filhos eram pequenos, alugamos certa feita, em Cabo Frio, uma casa de veraneio cujo sótão servia de moradia a algum animal que emitia guinchos finos e esganiçados semelhantes ao riso humano. Na primeira vez em que foi ouvido, as crianças, assustadas, perguntaram o que era e eu respondi: “É o Risadinha, não é possível vê-lo, mas ele mora aí em cima”. E o Risadinha foi incorporado para sempre ao folclore familiar, sendo evocado cada vez que se escuta algum rangido ou que uma porta bate estranhamente.

Você acredita nessas coisas? Boitatá, lobisomem, risadinha? Elas são todas muito facilmente acolhidas pelo imaginário infantil, mas perdem o sentido, é claro, perante a razão dos adultos. Há, no entanto, outras assombrações, concebidas com objetivos políticos, e que, submetidas a um tratamento gramsciano, produzem extraordinário efeito sobre muitas mentes maduras. A técnica empregada envolve conhecimentos de psicologia de massas, mas é de concepção bem simples, consistindo em criar uma palavra, atribuir a ela o pior dos sentidos, mencioná-la milhões de vezes e associá-la aos adversários. Gradualmente, o novo fantasma entra para o vocabulário comum e se converte não apenas em algo real, mas numa entidade horripilante, da qual é necessário fugir em disparada ante a menor manifestação de sua existência. Pronto, está criado o risadinha.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o vocábulo – desculpem ter que usá-lo – “neoliberal”. É possível que o leitor destas linhas, à simples menção da palavra, já tenha sentido o sangue gelar nas veias. Afinal, neoliberal é agente do demo, solto pelo mundo para perder as almas, certo?

Todos estarão lembrados das obras mais macabras atribuídas ao tal... – tá bom, você sabe do que estou falando. Entre seus piores quebrantos se incluíam: Plano Real, privatizações, responsabilidade fiscal, superávit primário, economia de mercado, pagamento da dívida externa, agronegócio, exportações, e inserção no mercado globalizado. Ante a menor referência a qualquer desses tópicos, os caça-fantasmas punham-se a campo, como anjos do Senhor, denunciando cheiro de enxofre. Trata-se, porém, como se verá a seguir, de uma pantomima.

Estamos no quinto ano da Era Lula, eleito e reeleito. E os aspectos mais positivos de sua gestão, ostentados com orgulho por ele e por seu partido, resultam diretamente da aplicação daquelas satânicas medidas. O Plano Real e sua continuidade ao longo de 13 anos derrubou a inflação de 3% ao dia para 3% ao ano, nossa moeda valoriza-se permanentemente em relação ao dólar, as reservas cambiais passam de US$ 110 bilhões, o Risco Brasil, quando escrevo estas linhas, está na casa de 156 pontos e o país se aproxima de uma condição privilegiada no circuito dos investimentos produtivos.

Tudo isso se deve a um conjunto de políticas que foram, uma a uma, sistemática e energicamente denunciadas pelo próprio presidente e sua sigla como sendo ... (taí, de novo, quase que eu escrevo a tal palavra) ao longo de duas décadas. Não há qualquer contribuição dos caça-fantasmas a esse cenário, exceto o de haverem dado continuidade e aprofundado as medidas já em curso.

Você ouviu alguma coisa? Deve ser o Risadinha. Ele é um tremendo gozador.

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