domingo, 24 de junho de 2007

Artigo

LISTA FECHADA É DUPLO GOLPE
Percival Puggina

Pode uma votação parlamentar formal se constituir em golpe? Sim, pode. Recebe o nome de golpe congressual e tem, inclusive, antecedente histórico no episódio em que o Congresso Nacional impediu o retorno de Café Filho à presidência da República. Após o suicídio de Getúlio, lembremos, o posto foi assumido por seu vice, Café Filho, que alguns meses depois sofreu um enfarte, sendo substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara. No dia 22 de novembro de 1955, Café, autorizado pelos médicos, enviou carta ao Congresso anunciando que iria retornar, mas as duas Casas, sem qualquer motivo de base constitucional, declararam-no impedido. Aquilo foi um golpe congressual.
Para que entendamos bem do que estamos falando no caso da lista fechada, é importante saber que golpes, na acepção política da palavra, são ações que visam a manter no poder ou destituir do poder por meios irregulares. É o que está por acontecer. Nos últimos cinco pleitos para a Câmara dos Deputados, com o sistema em vigor – lista aberta – a renovação oscilou entre um mínimo de 44% em 1998 e um máximo de 62% em 1990. Na eleição do ano passado ficou em 48%. Com a adoção da lista fechada, que impede o eleitor de votar no candidato de sua preferência, esse índice não deverá passar de 5%. Trata-se, portanto, de artimanha que visa a manter com mandato mais de um terço da Casa que a ela não retornaria pelo voto popular. Eis o golpe número um.
Entre suas conseqüências mais fáceis de antever destaca-se a potencialização do corporativismo característico da instituição, que se consolidará como clube de amigos reunidos na defesa de seus interesses, ao total resguardo da fiscalização do eleitor. Este primeiro golpe, portanto, impedirá o eleitor de retirar do Parlamento, pelo recusa do voto, os parlamentares cuja conduta moral ou política mereça rejeição. Numa Casa que se tem revelado cada vez mais tolerante para com os delitos de seus membros, isso se constitui num definitivo alvará de soltura concedido a todo o plenário.
O voto em lista fechada promove, contudo, outro golpe ainda mais sério à democracia ao cristalizar os blocos parlamentares de governo e oposição nas suas atuais proporções. Ele está no eixo do projeto de poder concebido por Lula e seu partido, e foi anunciado pelo presidente já na primeira entrevista concedida após a proclamação do resultado do pleito de 2006. Quem está mandando continuará mandando por longos anos. É o que pretendem, contra a vontade popular, numa manobra que assume como dado da realidade o fato de sermos uma casa de tolerância e um país que se deixou imbecilizar politicamente.

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