segunda-feira, 20 de março de 2006

Artigo


QUANDO A IMPUNIDADE É O OBJETIVO
Percival Puggina

“Realmente imagino o sofrimento de um pai preso na mesma cela que o filho”, alegou o ministro Carlos Veloso. Essa expressão de sensibilidade faz parte de seu voto favorável ao relaxamento da prisão preventiva de Paulo Maluf e seu rebento, recolhidos à carceragem da Polícia Federal de São Paulo. Uma súmula do STF já definira que seus membros não podem se manifestar sobre processos cujo mérito não tenha sido ainda apreciado nas instâncias inferiores e cujos pedidos de liminar tenham sido negados anteriormente. Mas a súmula deixou de valer para os dois Malufes.

As CPIs instaladas no Congresso Nacional tropeçam sobre montanhas de dificuldades interpostas ao seu trabalho: o governo retarda o envio de informações, os congressistas substituem os interrogatórios por libelos e pouco convincentes lições de moral, todo investigado que entrar no STF com habeas corpus para permanecer calado obtém a autorização e frustra as expectativas do plenário e da sociedade. Sem que nenhuma sanção seja aplicada, mentirosos desfilam nas CPIs com sucessivos e sempre inverídicos depoimentos. Imaginem alguém mentindo perante uma comissão do Senado dos Estados Unidos... Recente liminar interrompeu a argüição do caseiro da tal mansão onde supostamente o ministro Palocci participava de reuniões ligadas aos esquemas financeiros petistas.

Há alguns anos, o legislador brasileiro, refletindo o anseio social, estabeleceu que determinados crimes considerados hediondos pela sua malignidade não fossem favorecidos pela regra da progressão das penas impostas a quem os cometer. O STF entendeu diferentemente, fazendo com que a insegurança social venha a se multiplicar pela condução ao regime semi-aberto de incalculável número de perigosos bandidos. Não fosse a “descoberta” de uma nova condenação, seria esse o caso, por exemplo, do quadrilheiro Papagaio. Nem mesmo a condição de fujão e a conhecida periculosidade lhe retirariam as credenciais para, cumprida pouco mais de uma quinta parte da pena, ganhar as ruas e passar a agredir a sociedade na hora do expediente.

Enquanto em muitos países, o Código Penal e a Lei das Execuções Penais estão concebidos de forma a proteger a sociedade, a legislação brasileira e nossas cortes privilegiam o preso, minimizam os delitos e criam obstáculos à aplicação das penas. O uso de recursos ilegalmente havidos para alimentar campanhas eleitorais fere a igualdade das disputas e compromete gravemente a democracia. No Brasil, crimes dessa ordem podem ser sentenciados com fornecimento de algumas cestas-básicas, velho instrumento, aliás, da mesma corrupção eleitoral.

A brevidade estabelecida para a prescrição de certos crimes é uma mão na roda para advogados peritos no uso de expedientes protelatórios. O maior subversor da ordem pública nacional, o senhor João Pedro Stédile, zombou da justiça ao não atender sucessivas convocações para depor e acabou beneficiado pela célere caducidade do delito de que era acusado e sobre o qual não chegou a ser ouvido.

A impunidade com que convivemos só surpreende quem desconhece o fato de que há um sistema concebido para alcançá-la como produto final. Entre o coitadismo dos criminosos pobres, o poder dos criminosos ricos e os trololós recursais, esvai-se a segurança dos cidadãos.

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