domingo, 29 de julho de 2007

Artigo

Cotas raciais: o tribunal dos tempos
Cleber Benvegnú


A questão das cotas raciais para negros nas universidades remonta aos tempos mais sórdidos da nossa civilização, pois apenas enseja e potencializa os ânimos em torno do racismo. Só haverá progresso civilizatório nesta questão quando a raça não mais importar para distinguir um cidadão do outro, sendo apenas um indicador histórico e um diferencial físico.

Há lei para que o Estado interfira, pontualmente, onde a questão racial estiver ensejando disc riminação. Não se pode querer, entretanto, que o passivo histórico para com os negros, que é legítimo, coloque no banco dos réus quem nada tem a ver com ele. E nada têm a ver com ele, por exemplo, os jovens brancos e pobres que querem ingressar na universidade pública. A propósito: o que fazer com os brancos pobres?

Veja-se, então, que a idéia das cotas raciais traz incutida uma presunção de tribunal dos tempos, como se fosse possível corrigir, através de medidas afirmativas, os débitos que a história tem junto a determinados setores da sociedade. Criar uma regra genética para conceder determinado privilégio nada mais é do que legitimar a prepotência de alguns burocratas – censores genéticos? – perante toda nação. Se é verdade que ainda há preconceito r acial velado ou explícito – e há –, também é verdade que tal comportamento não pode ser generalizado.

Nelson Mandela, quando chegou ao poder na África, não criou cotas, nem propôs políticas afirmativas ou estabeleceu um tribunal histórico. Ele apenas foi disseminando, com gestos de paz, a necessidade de justiça e de igualdade entre brancos, negros e homens de todas as raças. Ao contrário de remoer o passado no sentido de colocá-lo em dia, por mais compreensível e legítimo que isso fosse, Mandela pediu que a África olhasse para frente, com harmonia e respeito mútuo.

Se ainda não estamos neste ponto no Brasil, não será através de cotas que o país quitará sua dívida para com os negros. Não se resolve um complexo problema social com medidas que destinam ônus a quem não os geraram. O caminho para o fim do racismo, velado ou implícito, andará no passo do avanço moral dos indivíduos e da sociedade. De fato, é um questão de difícil solução, mas nem isso pode dar legitimidade, a quem quer que seja, para, arbitrária e injustamente, sair escolhendo pagadores para esta conta.

Que Mandela nos inspire.

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