domingo, 29 de julho de 2007

Governo aplica menos da metade do previsto para a gestão de resíduos sólidos


Cerca de 228 toneladas de lixo são recolhidas diariamente no Brasil. Desse total 21% são depositados a céu aberto, ou seja, nos lixões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A má utilização desses resíduos pode causar graves impactos ambientais e sanitários para o Brasil. Apesar dos riscos resultantes da má gestão desse lixo depositado na natureza, os recursos do orçamento federal destinados a projetos de melhoria nessa área não são suficientes. No orçamento da União, existe um único programa que trata sobre o tema, chamado Resíduos Sólidos Urbanos e sua execução não é das melhores.

A quantia prevista para o programa neste ano é a maior de todas desde sua criação em 2001. Em relação ao ano passado, o orçamento para 2007 teve um incremento de mais de R$ 50 milhões, fechando em R$ 117,8 milhões. Por outro lado, a execução sempre esteve aquém das expectativas. Da instalação do programa até o ano passado, o valor aplicado não ultrapassou R$ 42,2 milhões, ou seja, 16% de um total de R$ 260,3 milhões autorizados. Em 2006, a verba autorizada foi de R$ 63,3 milhões, sendo que R$ 20,6 milhões foram efetivamente gastos. Até o dia 28 de junho deste ano, R$ 15,3 milhões já haviam sido pagos.

Para a especialista em resíduos sólidos, professora e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Wanda Risso Günther, os resíduos sólidos são tudo aquilo que não tem valor de uso para o proprietário. Por exemplo, uma pessoa possui uma caneta, mas a partir do momento que a tinta acaba o produto já não tem mais utilidade para o usuário. Porém, é importante salientar que o resíduo está associado ao uso e seu descarte pode ser diferenciado de acordo com a utilidade para cada indivíduo. Algo pode ser descartado por um e aproveitado por outro. “O que deve ser levado em conta é o fato do produto não mais estar sendo utilizado, assim ele passa a ser lixo”, acrescenta Wanda.

Segundo a pesquisadora, os impactos ambientais causados pela coleta e separação inapropriada dos resíduos sólidos vão desde a contaminação do solo, do ar, das águas até a contribuição para o agravo do efeito estufa. “É preciso ter um solo licenciado pelo governo para que o aterro do lixo não seja misturado com os lençóis freáticos”, afirma a especialista.

De acordo com a Constituição, a gestão dos resíduos sólidos é competência municipal. Mesmo assim, o controle social é fundamental. “A preocupação não pode ser somente do governo, a população também precisa fazer sua parte. É preciso que a coleta e a reciclagem sejam feitas ainda dentro de casa. Assim a quantidade de lixo que vai para o aterro diminui e se torna mais seletiva”, ressalta a pesquisadora.

Há mais de 15 anos existe um debate sobre a criação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. De acordo com informações da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, um projeto de lei sobre o tema, o PL 203/91, aguarda a boa vontade dos parlamentares para entrar na pauta de votações. Segundo o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Luciano Zica, o governo enviará ao Congresso, ainda neste semestre, outro Projeto de Lei sobre o assunto. A proposta, segundo ele, pretende responsabilizar de forma mais objetiva as empresas que produzem resíduos.

Para Wanda, transformar em lei propostas mais rigorosas sobre o tema é de extrema relevância, pois dessa forma, as diretrizes básicas, recomendações e procedimentos passariam a ser de âmbito nacional, criando assim uma referência única para todos os municípios do país. “Caso contrário, cada estado começa a fazer sua própria política e a classificação do que é ou não resíduo sólido fica desfalcada”, aponta. Segundo a especialista, para que esse projeto seja eficiente é preciso levar em conta o princípio da minimização dos resíduos, uma espécie de política de conscientização de empresas, sociedade e governo.

O deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), um dos autores do requerimento da audiência pública realizada na Câmara sobre acidentes ambientais e resíduos na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara espera que a proposta do governo diminua a responsabilidade dos municípios com relação ao lixo produzido pelas empresas. “Uma das lacunas da legislação atual é a que permite que as grandes empresas empurrem para as cidades o tratamento dos resíduos. Definir a responsabilidade de quem produz o lixo é fundamental”, aponta o deputado.

Degradação ambiental

Segundo o coordenador-geral do Movimento Grito das Águas, Leonardo Morelli, o Brasil tem hoje 20.760 áreas contaminadas, que influem diretamente na vida de cinco milhões de pessoas e indiretamente na de outras 15 milhões. A maior parte dessas áreas, cerca de 15 mil, são lixões. Segundo o coordenador, a contaminação se dá principalmente por metais pesados, como chumbo, mercúrio, cádmio, cromo e arsênio.

Já os dados repassados pelo coordenador do Programa de Vigilância Sanitária e Ambiental do Ministério da Saúde, Guilherme Franco, apontam 15.237 áreas contaminadas por resíduos sólidos em todo o País e mais de dois milhões de pessoas atingidas. Franco, no entanto, reconhece que o número de vítimas pode ser bem maior.

O coordenador ressalta que essa preocupação do governo com o controle ambiental de resíduos é nova. Ele destaca como ponto positivo a criação da Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (Vigisolo), que está fazendo o diagnóstico das áreas afetadas. “Já temos mais de 600 técnicos capacitados que estão fazendo o levantamento das informações e identificando as áreas mais críticas”, explica Franco.

Falta de compromisso ambiental das empresas

Muitos brasileiros não fazem a menor idéia de que o descarte inadequado de equipamentos eletroeletrônicos e de baterias de celular pode causar graves danos à saúde e ao meio ambiente. Por outro lado, eles têm acesso cada vez mais facilitado a esses tipos de produtos. A socióloga Lisa Gunn, gerente de Informações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), defende que o consumidor tem o direito de saber como dar uma destinação correta para o seu resíduo, seja ele qual for. “As empresas atrapalham a elaboração de leis sobre o assunto e o Brasil precisa urgentemente de um sistema de devolução de resíduos perigosos”, afirma Lisa.

A coordenadora do Observatório de Desenvolvimento Socioambiental da Faculdade de Administração de Ciências Contábeis da UFRJ, Araceli Ferreira, afirma que muitas empresas brasileiras têm mais ganhos com a venda de seus resíduos do que com gastos em investimentos ambientais. O descarte de aparelhos eletroeletrônicos vem se tornando um ponto cada vez mais preocupante no país, devido o aumento verificado no consumo desses produtos.

Só em celulares, o Brasil já é o quinto maior mercado do mundo, atrás da China, Estados Unidos, Rússia e Japão. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2005), realizada pelo IBGE, indica que a televisão está presente em 91,4% dos lares brasileiros, seguida da geladeira (88%), rádio (88%) e máquina de lavar roupas (35,8%). Os computadores já chegam a 19% dos domicílios, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a meta das empresas do setor é vender 10 milhões de computadores pessoais no país em 2007 – foram 8,3 milhões comercializados em 2006.

Cecília Melo
Do Contas Abertas

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