sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Artigo


O cortejo das almas penadas
AUGUSTO NUNES

Lula apareceu na festa de aniversário do PT, celebrada em Brasília na noite de segunda-feira, com risadas de presidente reeleito e muito amor para dar. O descompassado coração denunciava a alegre arritmia provocada pela mais recente pesquisa Sensus-CNT. Ninguém se surpreendeu quando, no meio de outro improviso, o pastor decidiu absolver sem rodeios os pecadores do rebanho.

''As pessoas que erraram, a gente não tem de execrá-las'', decretou. ''Errar é humano. Você só erra se der um passo''. O deputado Professor Luizinho (disponível por 20 mil valerianos no armazém do Congresso) puxou o coro dos contentes: ''Um, dois, três. É Lula outra vez''. Mais petistas acampados na fila da guilhotina camuflaram as olheiras com sorrisos esperançosos. Os demais convivas endossaram enfaticamente a fatwa baixada pelo aiatolá do PT. (Fatwas são sempre contra alguém ou alguma coisa. A que Lula acabara de anunciar era contra a verdade).

Errar é humano, certo. Mas erros que levam ao atropelamento dos códigos legais dão cadeia. Só erra quem dá algum passo, certo. Por isso mesmo, recomenda-se atenção aos caminhantes. O passo errado pode levar ao pântano dos corruptos, ao penhasco dos fora-da-lei. No discurso de segunda-feira, Lula parecia estar distribuindo conselhos entre um bando de garotões inimputáveis, ou por falta de idade ou de juízo.

Aos olhos do presidente da República e dos mandarins do partido, nenhum companheiro cometeu pecados mortais. Nenhum praticou ações criminosas. No PT não há bandidos. Se tanto, existe meia dúzia de pecadores veniais. E ponto final, pareceu ordenar o orador da festa. Ponto e vírgula, replica o também teimoso Brasil decente. Então só houve erros, nenhum dos quais execrável? Conta outra, companheiro. E tente tratar com menos cinismo a performance da quadrilha formada pelo governo e seus aliados no Congresso.

Foi apenas um mau passo a decolagem frustrada da cueca que ocultava pilhas de dólares e reais? Que fim levou a bolada? Por onde anda a dinheirama desviada por tantos pares do reino? O procurador da Fazenda Glênio Guedes devolveu o brinde de R$ 1 milhão oferecido pelo Banco Rural?

Cadê os R$ 2,6 milhões embolsados por Henrique Pizzolatto, diretor do Banco do Brasil? E onde andam os R$ 2,7 milhões embolsados por Manoel Severino dos Santos, vigarista que presidiu a Casa da Moeda? O PT vai honrar as dívidas contraídas pelo tesoureiro Delúbio Soares e seu parceiro Marcos Valério? Waldomiro Diniz continuará sem pingos nos is? Seguirão impunes os mandantes do assassinato de Celso Daniel? Quando serão repatriados os dólares escondidos no exterior por Duda Mendonça?

Lula acha que um discurso basta para remover do caminho tantas interrogações perturbadoras. É um erro grave. Não leva a tribunais, não dá cadeia. Mas pode matar de desilusão quem nele incorre.

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