terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Artigo

VALE TUDO
Merval Pereira - OGLOBO17/02/2006

Sibá Machado é um desses políticos que chegam a postos relevantes mais pelas trapaças da sorte do que exatamente por méritos próprios, embora os possa ter. Sindicalista do meio rural, o máximo que as urnas lhe haviam proporcionado até o início do governo Lula era uma primeira suplência de deputado estadual, ou a derrota na disputa pela Prefeitura de Plácido de Castro.

Na gestão do governador Jorge Viana, assumiu a presidência do PT local, ganhou uma secretaria, e acabou indicado como suplente da senadora Marina Silva, título que o catapultou diretamente das lides regionais para plenário do Senado Federal com a nomeação de Marina para o Ministério do Meio Ambiente.

Inicialmente figura apenas folclórica nos debates, ganhou destaque com atuação aguerrida na CPI dos Correios em favor do governo, sem medir esforços. Sua crescente importância no partido pode ser medida pela evolução de sua elegância, tanto no trajar quanto no relacionamento com as demais "excelências". A voz esganiçada continua a mesma, mas o linguajar rude e os movimentos estabanados deram lugar a uma fala cheia de maneirismos, condizentes com as maneiras elegantes que imagina serem as de um senador da República.

Pois Sibá, um fiel escudeiro do governo, levou ao pé da letra a orientação do presidente Lula na festa de aniversário do PT, e já está defendendo uma anistia ampla, geral e irrestrita a todos os "companheiros" petistas, extensiva, e por que não?, aos não-petistas também envolvidos nos escândalos do mensalão e de utilização de caixa dois nas campanhas eleitorais. Já disse Dostoievski, pela boca de Ivan Karamazov, que "se Deus não existe, tudo é permitido". Para o PT pós-mensalão, livre das amarras da ética que já foi sua bandeira, se errar é humano, como ressaltou o "nosso guia", e se uso de "dinheiro não contabilizado" é um fato corriqueiro na política brasileira, tudo é permitido.

A leniência de Lula com os "companheiros", a esperteza de dizer que não sabia de nada, a capacidade de tirar o corpo fora, alegando ora que foi traído, ora que nada ficou provado sobre o mensalão, faz com que o panorama político seja contaminado por um cinismo que aceita tudo, permite tudo. O presidente que se diz em dúvida sobre a reeleição sai pelo país em campanha explícita, usando as brechas da legislação até o limite da ilegalidade, e recebe em troca uma admiração incontida pelo êxito da estratégia, espertíssima.

E ainda se sente no direito de afirmar ao microfone, na mesma festa que se transformou em comemoração do êxito da trapaça, que continuará viajando e inaugurando obras até o prazo fatal da legislação. Se as pesquisas de opinião estão mostrando o sucesso da patranha, por que fazer diferente? Certa vez, quando ainda era o chefão do inesgotável cofre petista, "o nosso" Delúbio Soares reagiu bem-humorado à sugestão de se pôr as contas das campanhas eleitorais na internet, o que agora será exigido dos candidatos: "Transparência em excesso é burrice", sentenciou o "companheiro".

Estão todos se sentindo exorcizados dos pecados eventualmente cometidos, pela orientação firme do "nosso guia", que está ensinando como enganar o populacho com uma grande distribuição de "bondades" e palavras doces de arrependimento. A "esperteza" é tanta que conseguiram até mesmo, num primeiro momento, revelar o envolvimento do principal adversário, o PSDB, nas tramas do valerioduto, para depois forjarem o dimasduto, uma lista tão verdadeira quanto uma nota de três reais, na qual se acrescentam nomes com a facilidade com que se reconhecem firmas nos cartórios, conseqüência do acasalamento da burocracia com a corrupção.

Misturadas as farinhas no mesmo saco, por incapacidade dos tucanos de se diferenciarem, o primeiro objetivo foi alcançado: somos todos igualmente corruptos, nada de novo aconteceu. O segundo movimento está em pleno andamento, e aí chega a vez de políticos como Sibá, que não se cansa de prestar serviços ao partido. Há indícios preocupantes de que se arma no Congresso um grande acordo interpartidário para, nesta reta final das CPIs, livrar da cassação, se não todos, ao menos a maioria dos 11 deputados que ainda estão no corredor da morte.

O deputado Orlando Fantazzini, do PSOL, denunciou uma manobra no Conselho de Ética da Câmara quando foi rejeitado seu relatório favorável à cassação do deputado Pedro Henry, um dos principais distribuidores do mensalão, segundo Roberto Jefferson. O acordo estaria sendo tramado entre PSDB, PFL e PP para salvar os mandatos de líderes desses partidos: Pedro Corrêa, Pedro Henry, do PP e Roberto Brant, do PFL. Mas na entrevista ao site Congresso em Foco, na qual defendeu a absolvição de todos os parlamentares acusados de terem recebido recursos ilegais do lobista Marcos Valério, o senador Sibá Machado incluiu na lista, por que não?, o senador Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, também acusado de ter se beneficiado do valerioduto na sua versão original e regional, na campanha de 1998 em Minas.

A tese de Sibá é calcada nos pronunciamentos de Lula: o mensalão "não passou de uma mentira", e os políticos não podem ser responsabilizados pelo caixa dois: "Se a gente entender que a pessoa não fez nada de má-fé, foi induzida a praticar, aí nenhum pode ser cassado, porque todos estão na mesma situação. Por isso, acho que nem o Eduardo Azeredo nem os outros acusados poderiam ser cassados", afirma, candidamente.

Anteriormente, a tese da falta de provas, que não servira para livrar o ex-ministro José Dirceu da cassação, já serviu para absolver alguns dos envolvidos. Agora, a tese da boa-fé generalizada começa a ser aventada. Pelo jeito, as pesquisas de opinião favoráveis - a avaliação do Congresso também melhorou nos últimos meses - estão convencendo os políticos de que a opinião pública sofre mesmo de amnésia, e o eleitorado é formado por otários. Pode não dar certo.

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