terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Artigo



Um cenário desolador
Marco Antonio Villa

Hoje, os municípios do semi-árido sobrevivem graças aos programas assistencialistas, como o Bolsa-Família. O que era para ser transitório se transformou em instrumento permanente de política pública.A economia da região está destruída. O índice real de desemprego é muito alto. As prefeituras conseguem se manter graças aos recursos do Fundo de Participação dos Municípios, pois os impostos recolhidos não são suficientes sequer para realizar pequenas obras.

O assistencialismo federal permite que haja uma certa paz na região. Os sertanejos vão se acostumando com a vida de cidadãos de segunda classe, tutelados pelo Estado e sem iniciativa econômica. Entre um cultivo ou abrir um negócio, sem nenhum apoio governamental e correndo o risco do fracasso, optam pelo recebimento de um cartão magnético do governo.

Não há nenhum programa consistente da União na região. O pouco que existe está vinculado aos interesses dos médios ou grandes proprietários de terra.

Nem o Banco do Brasil nem a Caixa Econômica Federal têm programas voltados para o atendimento dos pequenos proprietários, dos pecuaristas ou dos comerciantes. Do Banco do Nordeste, o sertanejo só ouve falar quando assiste a televisão e encontra o banco envolvido em transações pouco ortodoxas.

Como o sertanejo sobrevive? Resta aguardar a chuva esporádica ou o dia de são José. Alguns foram obrigados a plantar maconha e transformaram certas regiões dos sertões da Bahia e Pernambuco em grandes centros produtores. E onde mal sobrevive o bode e o feijão não prospera, resta ir vegetando sob o sol inclemente.

Nas famílias, os jovens, quase todos desempregados, sem escolaridade e nenhum futuro digno, aguardam ansiosos o dia do recebimento da aposentadoria dos avós.

Muito antes de o senador Eduardo Suplicy imaginar o programa de renda mínima, o regime militar ampliou em larga escala a aposentadoria rural. O cartão do aposentado é motivo de cobiça dentro da família. Jovens agridem os avós para ter a posse do cartão e comprar bebidas e drogas.

Sem nenhuma esperança, isolado da modernidade e sem perspectiva de melhorar sua condição de vida, resta ao sertanejo uma tábua de salvação: incluir seu nome na lista de um programa assistencial e receber o tão almejado cartão. É o único meio que tem para poder enfrentar situação tão adversa.

Migrar para o Sul ou para as capitais estaduais não é mais possível, pois a economia do país patina há mais de 20 anos. Ficar não é um gesto de resistência, mas de conformismo. Resta ter de agradecer o recebimento do cartão e dar seu voto ao candidato imposto pelo líder local: é o coronelismo high tech.

É patente o desinteresse, a indiferença da elite política nacional pela região. Alguns, em confábulos restritos, chegam até a propor o esvaziamento da região, uma solução ao estilo do velho PRP. É melhor transferir a população do semi-árido para outras regiões: é até mais barato, ironizam.

Já parcela considerável da elite regional está preocupada com o preço que pode vender o curral eleitoral e as cadeiras que vai obter na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, quase 40% do total. Claro que embrulham o discurso falando em governabilidade.

Enquanto a esquerda, que diz que não existe nenhuma "Questão Nordeste", não perdeu a oportunidade de ocupar centenas de cargos das agências federais existentes na região.

Os efeitos de uma possível seca prolongada atingem centenas de municípios. Só no Ceará, das 184 cidades, 141 estão em estado de calamidade pública. No Piauí, já são 112, metade dos municípios. Na Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia e nos outros Estados, a situação é muito grave.O leitor pode perguntar: e o ministro da Integração Nacional? Este mora no Rio de Janeiro e está preocupado não com a seca, mas com sua possível candidatura à vice-presidência da República e com os destinos da oligarquia Ferreira Gomes, no Ceará. Quer fazer o irmão governador, manter a ex-mulher no Senado e o outro irmão na Assembléia estadual ou na Câmara dos Deputados, além de outros parentes em funções menores: afinal, a família é grande.

Frente a esse quadro desolador, espera-se que os principais candidatos apresentem programas para que a região possa voltar a ter vida econômica.

O governo Lula nada realizou pelo Nordeste. A bem da verdade, deve ser recordado o discurso emocionado que fez na cerimônia de lançamento da recriação da Sudene, com a presença, inclusive, de Celso Furtado. Como sempre, falou longamente, satisfeito com os aplausos protocolares. Emocionou-se, como de hábito. Porém, até hoje, quase três anos depois, a Sudene não existe.

Como o governo também fracassou no Nordeste -a popularidade que tem se deve ao assistencialismo, à política de anticidadania patrocinada pelo PT-, cabe à oposição construir um projeto que faça uma verdadeira revolução na região. O "choque de modernidade" pode ocorrer não só ressuscitando velhas propostas exeqüíveis, como a agricultura seca, mas também introduzindo a região no século 21, ampliando o leque das alternativas econômicas.

Marco Antonio Villa, 49, é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor, entre outros livros, de "Vida e Morte no Sertão. História das Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX" (Ática).

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