sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Artigo

O sentido do voto nulo
Demétrio Magnoli


A CAMPANHA pelo voto nulo, difundida pela internet, não tem potencial para afetar a eleição presidencial, mas pode repercutir profundamente na eleição para o Congresso. Apesar do que imaginam seus proponentes, ela presta um serviço inestimável ao "lulismo".

É preciso distinguir o petismo do "lulismo". O primeiro, oriundo dos movimentos sociais, configurou uma oposição parlamentar ativa e eficiente, ganhando a confiança de um amplo eleitorado urbano de trabalhadores, jovens e profissionais qualificados. O segundo é um fenômeno mais recente, que só se consolidou com a chegada de Lula ao Planalto. A sua marca singular é um salvacionismo conservador, ancorado no assistencialismo, que despreza o Parlamento e busca corrompê-lo.

O antiparlamentarismo de Lula ficou expresso antes da conquista do Planalto, na célebre tirada sobre os "300 picaretas" do Congresso.

Era uma denúncia vazia e irresponsável, desacompanhada de nomes e indícios, que não obteve respaldo da bancada petista. Depois, já com Lula na Presidência, o petismo desfigurou-se em "lulismo", rendendo-se às delícias do poder e alienando sua base social.

A saga do mensalão foi uma decorrência necessária do salvacionismo lulista, não um episódio fortuito. Se o Congresso não tinha "300 picaretas", era preciso produzi-los para libertar o "salvador da pátria" dos constrangimentos democráticos impostos pelas instituições republicanas. A corrupção em massa de parlamentares, como explica o procurador-geral, resultou da ação de uma quadrilha cujo centro operacional situava-se fora do Congresso, na Casa Civil.

Sob o "lulismo", a força da Presidência mantém relação direta, mas de sinal invertido, com a do Parlamento. Quando a CPI dos Correios desvendou o esquema de compra de parlamentares, o Congresso conheceu uma efêmera primavera, enquanto a imagem de Lula se degradava. Inversamente, quando o Congresso entregou-se à farra da absolvição dos "mensaleiros", o presidente recuperou a aura perdida. A dança macabra da deputada lulista Ângela Guadagnin, que tinha a finalidade prosaica de comemorar a absolvição de um "mensaleiro", não fez bem à sua carreira nem a seu partido. Mas era uma celebração apropriada da desgraça do Parlamento e, portanto, da vitória do seu chefe político.

Uma hipotética enxurrada de votos nulos atingirá os parlamentares, de diferentes partidos, que lutam para restaurar a legitimidade do Parlamento e dependem do apoio da parcela informada da população. É um cenário de sonhos para os políticos venais, que se alimentam do voto de clientela, e para Lula, que se nutre da falência das instituições.

magnoli@ajato.com.br

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