quinta-feira, 28 de setembro de 2006

Artigo

A CULPA É DO SISTEMA
MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA


Ao assistir a entrevista dada pelo presidente Luiz Inácio ao jornal da Band, dia 14 deste, fiquei impressionada com sua capacidade de responder não respondendo. Sem dúvida, paira sobre o presidente da República o treinamento dado por Duda Mendonça e suas esquivas, embora nada convincentes, devem ter tido o poder de engabelar a maioria que o assistiu.

Passando os olhos sobre papéis, emitindo surradas respostas, fazendo o costumeiro auto-elogio de seu mandato, Luiz Inácio descartou qualquer responsabilidade na corrupção que infesta seu governo, pois, segundo afirmou, “a culpa é do sistema”.

Além do mais, o poderoso José Dirceu, que foi tocado do cargo de “gerentão” ou “chefe da quadrilha” por Roberto Jefferson, teria sido pelo presidente exonerado num evidente combate a corrupção da parte deste e de sua implacável intenção de punir culpados.

Também a queda do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, LILS atribuiu ao seu sentido ético. Entretanto, como se sabe, a permanência de Palocci no cargo, que já vinha se mostrando inviável por conta de numerosos escândalos, se tornou insustentável quando da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. Palocci não gostou quando o rapaz afirmou que ele freqüentava a casa onde havia farta diversão prodigalizada por uma “empresária do sexo” e negociatas bastante lucrativas, ingredientes que alegravam a vida dos integrantes da chamada República de Ribeirão. Dessas coisas, porém, Luiz Inácio nunca soube.

Ministros vampiros, ministros sanguessugas, ministros que enriqueceram rapidamente à sombra dos muros da corte, irmão lobista, filho privilegiado por milhões da Telemar, nada disso tem a ver com o presidente. Tudo é culpa do sistema. E se algumas pessoas do PT erraram, entre as quais, os inseparáveis companheiros de sua Excelência como o ex-presidente da sigla José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretario Silvinho Land Rover, naturalmente, a culpa é do sistema. Eles, coitados, são criaturas angelicais, apesar de traidores do chefe.

Também o fracasso de programas governamentais foi edulcorado e transformado em êxito nas palavras do candidato e presidente, atestado inequívoco de quanto Duda Mendonça, marqueteiro real e homem das rinhas de galo e dos paraísos fiscais, continua influente na moldagem da imagem e da retórica do seu mais importante discípulo político e obra-prima de simulação. Desse modo, se algo não atingiu resultado mais extraordinário, já se sabe, a culpa é do sistema.

Conclusão: são todos inocentes. Pelo menos os companheiros e, sobretudo, seu chefe supremo. Por isso mesmo merecem continuar no comando do País. Note-se que Genoino, o tomador de empréstimos ilícitos intermediados por Marcus Valério, e cujo irmão deputado foi envolvido no escândalo dos dólares na cueca, freqüenta o Palácio do Planalto para visitar o companheiro Lula e, quem sabe, vai ser eleito deputado federal, assim como Palocci.

O PT já discute a absolvição de José Dirceu, essa vítima do sistema juntamente com seu homem de confiança, Waldomiro Diniz. João Paulo Cunha, Luizinho, enfim, todos os mensaleiros inocentados por seus pares no Congresso seguem em frente sem medo da felicidade e prevê-se que o PT manterá grande bancada no Congresso. Imagina-se o quanto os companheiros da base mensalista devem estar felizes aguardando futuros mensalões.

Por outro lado, LILS influencia com seu magnetismo a sociedade brasileira que parece disposta a reconduzi-lo ao cargo para que tenha nova chance de, quem sabe, cumprir o que prometeu e não fez em quatro anos, claro, por culpa do sistema. Também não custa perdoar e reeleger todos que cometeram pecadilhos inofensivos como fraude em licitação, corrupção, formação de quadrilha, evasão de divisas.

Que importância tem se continuamos na rabeira do crescimento mundial, o que inclui o latino americano; se as taxas de juros seguem elevadas; se a carga tributária saltou para 37% do PIB; se a corrupção se alastra livremente, se o desemprego aumenta; se já existem sinais preocupantes na economia como a queda do agronegócio e da produção industrial; se Evo Morales se apropria do que é nosso com apoio do governo brasileiro frouxo e ideológico. Isso faz parte do sistema.

Pensando bem, diante desse sistema que anestesia a conduta ética do povo e do governo, que torna a imoralidade aceita como coisa natural, que mantém a ignorância de uns, o cinismo de outros, a alienação de muitos, não sei se dá mais vergonha do que nojo, ou mais nojo que vergonha da Terra de Macunaíma em que o Brasil vai se transformando, onde heróis sem caráter são exaltados, eleitos e reeleitos.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
mlucia@sercomtel.com.br

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