quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Artigo


Parceiros da farsa
Villas-Bôas Corrêa

Nada como o desespero com a crise moral que lavra nos três poderes para expor, na transparência da farsa, o jogo duplo do presidente Lula, candidato em plena campanha de tempo integral à reeleição e os truques grosseiros do Congresso, enrascado no escândalo do mensalão e do caixa dois e na recaída da pantomima da convocação extraordinária, quando abriu a guarda para a pancada na moleira da extravagante decisão do juiz substituto da 20ª vara da Justiça Federal de Brasília, Márcio José de Aguiar Barbosa, intimando as mesas da Câmara e do Senado a cortar os subsídios dos parlamentares que não compareceram às sessões, durante o mês de gazeta ao custo de R$ 100 milhões.

A cada um, o seu quinhão. Francamente, roça na falta de decoro da patuscada a falsa esperteza primária do presidente no jogo de negaças à evidência de que é, sempre foi candidato ao segundo mandato e que aposta todas as fichas do seu desfalcado cacife na roleta da improvisação para mascarar o fracasso dos três anos do mandato com a frenética correria para retocar as manchas na imagem com discursos, viagens, inaugurações e o anúncio de êxitos que ninguém viu.

O clamor nacional das vítimas da buraqueira em milhares de quilômetros da rede rodoviária federal - e também da maioria das estradas estaduais - flagrou o governo na exposição das suas notórias deficiências. A mancha cinzenta da decepção nacional com as contradições e os erros do despreparo e da inexperiência do eleito com 52 milhões de votos, chegou ao instante da verdade, da prova dos nove das estradas intransitáveis, de filas de veículos paralisados pelos atoleiros ou enguiçados, com pneus furados, a suspensão em pandarecos nas crateras.

Cutucado pela queda nas pesquisas que ameaça a reeleição, o presidente despertou com o espanto de menino pilhado pela professora dormindo na aula. Na zonzeira dos primeiros momentos, tal como no estouro da roubalheira do valerioduto, Lula pousou de vítima, ludibriado pela omissão e o silêncio de ministros e assessores.

Os olhos que não viram, a boa fé que não desconfiou dos milhões que financiaram a mais cara e sofisticada campanha ''da história deste país'' não negaram o testemunho do que constaram durante os 90 mil quilômetros percorridos na Caravana da Cidadania: a situação de calamidade pública do sistema rodoviário.

Providências? Nenhuma. Só em dezembro de 2005, o presidente despertou com o susto para a montagem da operação tapa-buracos. E, na reunião em que liberou as verbas para jogar piche e areia nas covas da imprevidência, transferiu a culpa para os ombros dos outros, no desabafo da perplexidade: - Como a gente chegou a uma situação destas?

Refeito do sobressalto, o candidato acelera a campanha, na garupa dos privilégios da máquina oficial. Perdeu a cerimônia e anuncia que só tornará pública a decisão sabida em junho, fim do prazo, para amortecer as críticas do uso eleitoral do aparato que inclui o AeroLula, despesas pagas, palanque e público. Na amostra, estreou a tríplice visita ao mutirão para a duplicação da BR-101, repassada às Forças Armadas para não perder tempo, enquanto as empreiteiras brigam na Justiça.

E já avisou ao distinto eleitorado que até o último dia de mandato continuará em campanha por todo o país ''para inaugurar o que plantou''.

A vizinha da Praça dos Três Poderes também improvisa estratagemas para escapar da indignação do eleitor, que ameaça a reeleição para mais quatro anos de desfrute de um dos melhores empregos do mundo: a Câmara contorna a reforma política com a revisão dos privilégios, das mordomias e vantagens em penca de ouro, com o engambelo do fim dos subsídios pagos em dobro nas convocações extraordinárias e a redução das férias parlamentares da madraçaria de 90 dias para a metade.

Medidas de emergências moralizadoras, mas insuficientes: não se cura doença grave com canja de galinha. O Congresso sepultaria as desgastantes convocações extraordinárias com a simples obediência ao regime normal de trabalho, com a semana útil de segunda à sexta-feira. Basta acabar com a sangria no cofre da Viúva das quatro passagens mensais.

Para a vergonha da verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para o ressarcimento das despesas de Suas Excelências nos fins de semana, a única solução é extirpar pela raiz a praga fincada na lama pelo deputado petista João Paulo Cunha, quando presidente da Câmara.
A faxina no Congresso, por enquanto, não vai além do espanador para retirar a poeira acumulada em décadas nos cômodos do pudor.

Quanto ao governo, convém dar férias a esperança: Lula, pelo visto, é incorrigível.

Pois se ele acha que é único que está certo, errados são os outros...

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