quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Editorial - Jornal do Brasil


O medo do Planalto

Convicto da inexistência de uma quadrilha capaz de assaltar os cofres públicos e com a crença de que já apanhou demais, o governo tem confirmado as previsões mais sombrias sobre sua atuação: até aqui, fugiu com vigor das investigações em curso. Apesar dos discursos em contrário, do Alto Companheiro aos assessores mais discretos, passando pelos figurões do primeiro escalão do ministério, o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem triturando o passado de líderes e partidos que pregavam o oposto do que hoje fazem.

O governo, afinal, não apenas escapou da prática desejada pelas almas sensatas (o apoio a qualquer apuração que salvasse o país de malfeitores e livrasse o Palácio do Planalto e o PT da suspeita generalizada) como fez o inverso do esperado: aproveitou todas as oportunidades possíveis para barrar as trilhas que poderiam – e ainda podem – levar a descobertas da patifaria federal. Para tanto, forjaram-se incontáveis fantasias. Apelou-se para ministros com caneta, dinheiro e poder na mão. Recorreu-se aos serviços de criminalista do ministro da Justiça – o homem de confiança do presidente para montar a linha de defesa de petistas e aliados. O Planalto ainda utilizou espantosos artifícios para, no mínimo, atrasar as investigações das CPIs criadas no Congresso.

A descoberta de que boiava nas águas ocultas do valerioduto deve ter assustado o governo. O efeito tem sido devastador para as interrogações que ainda inquietam o Brasil. E será ainda mais para aqueles que hoje comandam o país. As conseqüências eleitorais de tal estratégia parecem previsíveis. Fracasso à vista. Assim agem governos malandramente míopes. O pânico exigiu, de início, a adoção de teses tão estapafúrdias quanto previsíveis: adotou-se, desde as primeiras horas, a teoria do complô. A existência de uma conspiração política foi assumida pelo aparelho de Estado como arma de constrangimento. Seja para o exercício da oposição, seja para quaisquer questionamentos em relação ao governo.

Quando denúncias tão evidentes são transformadas com absoluto desembaraço naquilo que obviamente não são, daí para a frente nenhuma investigação mais poderá ser pedida sem que o autor da suspeita seja tido como um conspirador em potencial. Um inimigo da pátria, pois. As CPIs tornaram-se peça integrante do engodo oficial. Segundo os palacianos, transformaram-se em fonte ilegítima ou viciada de investigação – um instrumento, enfim, de convalidação de operações clandestinas. Sem ressonância na opinião pública, as teses persecutórias foram aos poucos deixadas de lado. Substituídas, apelou-se para a mágica de chamar tudo de caixa 2 e dizer que todos fazem – como se os pecados generalizados lhes garantissem a absolvição.

Na intenção subjacente de inibir os inquéritos e até o debate crítico sobre os meios e os modos do PT, decidiu-se mobilizar esforços para incluir na lambança federal campanhas suspeitas no PSDB. (Uma coisa é desejar descortinar um caso de corrupção de financiamento eleitoral do passado. Isso é bom e necessário. Bem diferente, contudo, é querer forjar uma farsa: a idéia de que o mensalão é um subproduto de algo inventado pelos tucanos mineiros em 1998). Agora se constata a tentativa do governo de impedir que parlamentares tenham acesso mais rápido à farta documentação sobre a conta de Duda Mendonça no BankBoston de Miami (a Dusseldorf). Os papéis estão sob a guarda da Receita Federal, mas integrantes do governo sugerem aos parlamentares que viajem a Miami para “evitar vazamentos”.

Os brasileiros estão ansiosos por conhecer os detalhes das descobertas da Polícia Federal. Também esperam que o Congresso vença a resistência do Planalto e atinjam a verdade exigida pelo Brasil decente. Sabem que, somadas, as reações oficiais aos escândalos denotam desespero em relação à causa em si, vocação à ligeireza no trato de assuntos institucionais e baixa resistência ao contraditório natural da democracia. Ao agir assim, o governo arrisca-se a afundar-se no pântano da crise, na lama da impunidade ou no terreno da omissão.

Nenhum comentário: