sábado, 19 de agosto de 2006

Artigo

LIMITES
Glauco Fonseca


Sem delongas e com franqueza, o que estamos assistindo é resultado de um processo que se alastra desde o início do governo Lula. E a síntese do processo é o alastramento da corrupção como ferramenta de gestão, de locupletação e, de quebra, de perpetuação no poder. Nesta ordem.

Desde o flagra em Waldomiro Diniz, passando pelo escancaramento do mensalão e, mais recentemente, das sanguessugas, o processo de corrosão da moral pública é patrocinado por um governo lascivo, incapaz de dialogar e de respeitar o que é público. Vilanizar o eternamente depauperado Congresso Nacional é uma estratégia que, neste caso, serve muito bem aos fornecedores, serve muito bem aos ordenadores e serve melhor ainda aos corruptores. Pela consistência sempre frágil do congresso, por sua fraqueza inerente – eis que síntese do que há de melhor e de pior na vida nacional – e acima de tudo por conta de sua perene presunção de honestidade sem muita convicção, é muito bom que haja um bando de deputados e senadores a bater, que esteja sempre à mão caso se queira desviar a atenção de algum assunto mais constrangedor aos grandes chefes.

Daí que matar policiais, queimar ônibus, tirotear delegacias ou balear agências bancárias, tudo de modo covarde e sorrateiro, é apenas um apêndice da desordem social que se deriva da permissão de roubar, de corromper e de ser corrompido. Seqüestrar jornalista de uma grande rede de TV é, além de um ritual perverso e terrível, uma demonstração de que, sim, o poder está definitivamente muito mais forte do lado errado. Mais do que isto, que o poder criminoso e armado está, por conta da conduta dos nobres representantes da república em todos os poderes, devidamente autorizado, até porque perdeu o temor pela sanção, perdeu o medo de ser capturado, julgado e preso. Em resumo, perdeu a vergonha de ser criminoso.

Onde começa o novelo e termina a novela, os brasileiros não sabem mais. O fator que prepondera é que a desobediência é quase regra. E muito bem ensinada.

Começa-se pela denúncia de um deputado que, logo em seguida, é absolvido por seus pares. Cassação é pecado num congresso como o do Brasil. Depois temos denúncias de filho de presidente ganhando empresa, amigo de presidente pagando conta, ministro da república quebrando sigilo bancário, outro ministro é chefe de quadrilha, dólares de Cuba, prefeitos assassinados e muito mais, tudo isso serve de inspiração aos que desejam o fim da hipocrisia proposta pelos poderes nacionais.

A deputada que dança não perde seu mandato, assim como o senador que chama o presidente de ladrão. A filha que engendra o esmagamento dos crânios de seus pais brevemente deixará o cárcere, o tesoureiro do partido do presidente está livre da justiça, assim como os donos das agências de propaganda e os gerentes dos valores que foram canalizados através de suas influências. Então queremos o quê, mesmo?

Queremos que a justiça se faça quando um juiz rouba 170 milhões e devolve pouco mais de 10% e, ainda por cima, desfruta de uma prisão domiciliar que faz inveja a 170 milhões, só que de brasileiros? Queremos justiça depois que o ministro da comunicação manda que se pague ao amigo uma dívida que poderia ser discutida pelo menos por mais 10 anos?

O seqüestro do repórter da Globo foi apenas mais um episódio.

Não teremos coisas semelhantes apenas se tivermos mais sorte do que juízo.

E, ao se concretizarem as últimas pesquisas, a sorte é a única coisa que nos restará.

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