quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Artigo

PT, A CORRUPÇÃO SOCIAL-DEMOCRATA
por Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha de S. Paulo

No começo aparece um movimento operário, fruto da industrialização ainda recente, que se organiza para obter melhores salários e condições de trabalho. Esse movimento repele a política e hostiliza os políticos profissionais. Conforme ganha força, crescem suas ambições e ele acaba por se converter num partido.

Minoritário, aguerrido, o partido abraça como bandeira o velho sonho de transformar num só golpe revolucionário a sociedade inteira. À medida em que ele cresce, passa a exercer o poder em administrações locais. Conhece a distância que separa ideais e realidade. Torna-se flexível e moderado.

A moderação atrai votos, apoios, dinheiro. Ela surge como o caminho óbvio para vencer resistências e chegar ao poder central. Quando isso acontece, o partido antes radical já se tornou parecido com os partidos convencionais. Na escalada para chegar ao governo e permanecer nele, surgem as alianças pragmáticas, o financiamento ilegal, a corrupção generalizada.

Nos parágrafos acima está um resumo esquemático da história da social-democracia na Europa. É também um resumo do que aconteceu ao PT, até porque, sob aparências confusas, é ele o partido social-democrata brasileiro. Os processos são semelhantes, a diferença está no ritmo. O que levou ao menos 80 anos para acontecer em países mais adiantados, aconteceu no Brasil em 20 anos.

Já se lamentou muito (e com razão) que as coisas tenham se passado dessa forma. Mas não se ressaltou o bastante o quanto esse desfecho contribui para o esclarecimento dos cidadãos. Vai por terra a fantasia que divide a política entre "bons" e "maus".

Uma fantasia que pode ser substituída pela crença, igualmente ilusória, de que "todos são ladrões". Mas que também pode, ao ser solapada, abrir caminho a uma noção mais realista e madura: a corrupção não pode ser erradicada, mas pode ser reduzida pelos mecanismos de controle democrático e pela opinião pública.

É difícil opinar (e impossível provar) se nunca houve tanta corrupção como agora ou se, ao contrário, nunca tantos escândalos foram revelados ao conhecimento público. O mais provável é que as duas coisas sejam verdade.

As práticas de corrupção que comprometeram a imagem do governo Lula e do PT não têm afetado os atuais índices da candidatura presidencial nas pesquisas de opinião. Lula se beneficia da profusão de escândalos que, embora atingindo em cheio sua administração e seus aliados, parece disseminada.

Beneficia-se também de uma correlação famosa em política: quanto pior o desempenho da economia, mais os escândalos pesam na decisão do eleitorado.

Crescimento medíocre, estabilidade de preços e transferências de renda até agora têm bastado para neutralizar os danos eleitorais da corrupção petista.

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