quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Editorial - O Estado de S. Paulo

Buracos do tapa-buracos

O que começa mal não termina bem, diz a sabedoria popular. A frase se aplica ao programa de emergência de recuperação de rodovias lançado com estardalhaço pelo presidente Lula em dezembro, e desde então criticado por engenheiros, governos estaduais e pessoas preocupadas com a correta aplicação do dinheiro público. Terminado o prazo para as obras da chamada operação tapa-buracos, nem todas estão concluídas. E, para as empreiteiras, que no lançamento do programa imaginavam ter ganhado um presente de Natal, fica o temor de que tenham recebido um presente de grego: até agora não receberam nenhum tostão pelo trabalho que realizaram.

Era evidente o objetivo eleitoral do presidente ao dizer, no fim do ano passado, que ficara muito preocupado com a situação das estradas e, por isso, colocaria em prática um programa de emergência. Em seis meses, o governo recuperaria 26.441 quilômetros de rodovias federais em 25 Estados. Muitos trechos estavam em condições extremamente precárias em conseqüência do descaso e da falta de manutenção que já duravam anos ou por causa das chuvas do período. Lula apresentaria os resultados para o eleitorado - e a conta ao contribuinte.

Seriam aplicados R$ 440 milhões nessas obras. O governo alegou que, por causa de seu caráter emergencial, muitas seriam realizadas sem licitação. Em outros casos, contratos assinados anteriormente com empreiteiras, e para os quais se realizara licitação, seriam aditados para a realização das novas obras. Especialistas criticaram essa forma de contratação de obras, fora das normas da Lei de Licitações.

É discutível o critério de emergência utilizado pelo governo. Emergência, como explicam engenheiros rodoviários, é, por exemplo, a queda de uma ponte. Muitas das estradas incluídas no programa estavam em situação ruim há muito tempo, daí ser estranho falar-se em "emergência". Foi esse o argumento utilizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para contestar a necessidade de contratos emergenciais para as obras.

Também o aditamento dos contratos em vigor virou motivo de contestação do programa. Pela legislação, o valor do aditamento não pode superar 25% do contrato vigente, e esse limite não foi respeitado em muitos casos.

Justificáveis ou não, as obras emergenciais acabaram custando mais do que as realizadas com base em contratos preexistentes. De acordo com as planilhas elaboradas pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), o custo médio por quilômetro de obras emergenciais da operação tapa-buracos alcançou R$ 25,2 mil, enquanto o de obras realizadas com base em contratos firmados depois de um processo normal de licitação ficou em R$ 13,3 mil.

Em quaisquer dos casos, houve desperdício, pois, do ponto de vista técnico, a operação tapa-buracos pode ter sido uma inutilidade. Por causa do mau estado de algumas estradas, sua recuperação exige praticamente a reconstrução. Os buracos tapados reapareceram após algumas chuvas.

O programa foi oficialmente encerrado em 9 de julho. Em 16 Estados, o Dnit confirma que mais de 80% das obras contratadas foram concluídas. Mas há casos em que o índice está em torno de 10%. Nada se pagou, justifica-se o Dnit, porque ainda não se concluiu o trabalho de auditoria.

Por causa do péssimo estado da malha rodoviária nacional, em particular aquela sob responsabilidade do governo federal, são freqüentes as mortes em acidentes. Num país que optou preferencialmente pelo transporte por caminhões, a precariedade das rodovias transformou-se num importante fator de redução da competitividade da economia.

É urgente, por isso, recuperar as estradas, para dar mais segurança aos usuários e estimular o crescimento. Mas isso precisa ser feito com sensatez e planejamento, e com a utilização de recursos criados especificamente para essa finalidade, como os da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, que têm sido desviados para o Tesouro e lá se convertem em "superávit primário".

Com programas esburacados de nítida inspiração eleitoral, só há um ganhador: o presidente-candidato. Todo o País perde, até quem esperava ganhar muito, como mostra o atraso do pagamento.

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