sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Artigo da tarde


Um discurso por buraco
Editorial - O Estado de São Paulo - 12/01/2006

"Essa é a maior operação de prevenção que se faz na história do Ministério." Esta inacreditável frase, pronunciada pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, ao inaugurar em Goiás a Operação Tapa-Buraco do governo Lula, talvez venha a integrar antologias escolares, ilustrando a que ponto governantes se permitem insultar a inteligência da sociedade, distorcendo ao extremo o sentido das palavras e sua adequação à realidade. Como que então uma operação mera e levianamente paliativa, onde se gastarão R$ 440 milhões para tapar buracos na malha rodoviária, até debaixo de chuva - em conservação precária com durabilidade máxima de um ano, como diz o próprio ministro, ou de apenas seis meses, segundo especialistas do Instituto de Engenharia -, pode ser considerada serviço de 'prevenção', e ainda por cima o 'maior da história'? Realmente, como diziam os clássicos do vernáculo, é d´escachar! É o contrário da 'prevenção' o remendo do remendo de uma infra-estrutura absolutamente deteriorada que, embora não tenha ficado assim por omissão apenas deste governo, nos últimos três anos teve uma piora substancial, por puro aumento do descaso. Como era de se esperar daquilo que mereceu a justa designação de 'pacote eleitoral', a Operação Tapa-Buraco, já no seu primeiro dia, mostrou a que veio.

Na inspeção das obras no km 7 da BR-040, perto de Brasília, enquanto o ministro dos Transportes se esforçava para convencer os jornalistas de que o programa tapa-buraco 'não é eleitoreiro', atrás dele militantes petistas esticavam uma faixa com os dizeres: 'Moradores de Cidade Ocidental agradecem ao presidente Lula pelas obras na rodovia e no município.' E em outro local do canteiro de obras havia outra faixa, com a mensagem assinada pelo PT de Luziânia (GO), nos termos: 'É isso aí, Lula.' Realmente, é isso aí. Só faltou foguete e banda de música. Como já estão demonstrando as visitas de ministros-candidatos aos inúmeros locais de operação da Tapa-Buraco - já que o plano é tapar buracos em 26,5 mil quilômetros de rodovias, em apenas 6 meses - devidamente acompanhados por comitivas de deputados e políticos que tenham nesses locais seus redutos eleitorais, é de se prever o volume de discursos que se farão, neste pleno ano eleitoral.

Talvez se chegue à média de um discurso por cada buraco tapado...

Agora, já que a Tapa-Buraco foi projetada como palanque eleitoral e todas as obras desse programa de 'prevenção' (?!) emergencial serão realizadas sem licitação, pois consistirão de aditamentos em contratos ou contratações sem licitação, o governo deveria, pelo menos, tomar o máximo cuidado na escolha das empresas que se incumbirão desses serviços. Não é isso o que está ocorrendo, ao que parece. Os primeiros dias da operação também deram boa amostra dos critérios do governo para o destino dos R$ 440 milhões reservados às obras: duas das três empresas responsáveis pelas obras visitadas pelo ministro no primeiro dia já prestaram serviços ao governo com indícios de 'irregularidades graves', segundo auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Tais irregularidades incluem pagamentos sem cobertura contratual, serviços não comprovados e obras superfaturadas - em um dos contratos o sobrepreço atinge 117%.

Essas duas empreiteiras, a Egesa Engenharia e a Tescon Engenharia, trabalham desde segunda-feira em manutenções emergenciais na BR-040, nas divisas entre Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal. Suas máquinas já começaram a trabalhar antes que o Departamento Nacional de Infra-Estrutura em Transportes (Dnit) tivesse cumprido a exigência (de portaria publicada sexta-feira no Diário Oficialda União) de divulgação, pela internet, da lista das empreiteiras contratadas. O TCU descobrira 'irregularidades graves' em outra obra da Egesa, na BR-060, em Goiás, onde se apurou superfaturamento médio de 33%, pelo que a empreiteira pagara multa de R$ 8 milhões e tivera a obra embargada. Além destas as empreiteiras escolhidas Rodocon, do Rio Grande do Norte, e Pavimar, que atua no Paraná, também já tiveram problemas com o TCU. Será que o governo, com toda a crise em que está mergulhado, ainda não entendeu a vulnerabilidade ético-administrativa a que se expõe nessas escolhas, especialmente em se tratando de obras sem licitação pública? Ou será que esse tipo de preocupação já nem cabe mais em seus palanques?

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