segunda-feira, 5 de junho de 2006

Editorial - Folha de S. Paulo

Sugestão oportuna

ATÉ QUE é uma boa idéia. Aboletado em seus confortáveis índices de popularidade, o presidente Lula sugeriu, em tom de desafio, que seus adversários divulguem cenas das CPIs no horário eleitoral. "Eu quero que eles coloquem as torturas que eles fizeram com muita gente lá."

O presidente da República parece não somente ter-se convencido da inocência dos envolvidos mas dá mostras de acreditar também que o eleitorado venha a apiedar-se de um Silvio Pereira, de um Delúbio Soares, de um Duda Mendonça, de um Marcos Valério -sem dúvida, alguns dos que mais foram pressionados para sair de seu silêncio.

Pressões legítimas, diante de um escândalo em que se misturaram favorecimentos a bancos privados, desvio de verbas publicitárias oficiais e pagamento em espécie para que parlamentares apoiassem o governo federal. Tudo ocorreu no entorno do presidente; tudo foi montado para beneficiar o seu governo. Mas Lula afirma e reafirma que nada sabia.

Abusos verbais e cenas de intimidação grosseira surgiram em meio às atividades de inquérito. Não as protagonizaram apenas os membros da oposição. A "tropa de choque" petista mostrou-se especialmente ameaçadora contra secretárias, motoristas e funcionários menos graduados: pessoas que, sem privilégios a manter, compareceram às CPIs como simples cidadãos.

Se houve alguém a sofrer agressões ilegais dos poderes públicos nesse processo, foi o caseiro Francenildo Pereira, que teve seu sigilo bancário devassado pelo governo, trama em que estiveram envolvidos o ministro da Fazenda e o presidente da Caixa Econômica Federal. Mas o presidente Lula talvez se tenha comovido menos com esse caso do que com a estóica resistência de seu companheiro Delúbio Soares -que, num ato digno dos mais disciplinados tempos da militância stalinista, assumiu bravamente a responsabilidade pelos "erros" que se combinavam, recombinavam e repetiam nos círculos do poder petista.

O rompante retórico de Lula é apenas mais uma evidência de que seu grau de alienação diante da realidade só vem crescendo à medida que se afasta das problemáticas lides de seu cargo para cercar-se, mais e mais, das nebulosas imaginações e das conscientes desmemórias que o acometem nos palanques eleitorais.

A reedição das imagens das CPIs no horário político viria mesmo a calhar. Lula poderá lembrar-se de que, não faz muito tempo, declarou sentir-se "traído" por pessoas cujo nome não declinou. Disse também que esperava os resultados das CPIs e o pronunciamento do Ministério Público antes de emitir qualquer juízo sobre o mensalão. Denunciou-se a formação de uma quadrilha à sombra do Planalto cujo objetivo, nas palavras do procurador-geral da República, era "garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores mediante a compra de suporte político de outros partidos e do financiamento futuro e pretérito das suas próprias campanhas eleitorais".

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