sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Artigo

Para ratos do cerrado, ratoeiras da floresta
por José Nêumanne, jornalista, no Estadão

Ao ser informado da nova onda de atentados do Primeiro Comando da Capital (PCC) em território paulista, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, criminalista que fez fortuna pela notória competência profissional, não perdeu a chance de tirar uma casquinha na candidatura oposicionista à Presidência: afirmou que tudo seria diferente se o governo de São Paulo, nas mãos da oposição, tivesse aceitado a ajuda da União por ele oferecida. Seria absurdo, se não fosse simplesmente patético! Se estivesse o governo federal, de fato, disposto a ajudar o cidadão, por intermédio das autoridades estaduais na guerra contra o crime organizado, não teria contingenciado 58% das verbas orçamentárias para o tal Fundo Nacional de Segurança Pública e faria funcionar qualquer coisa que pudesse ser definida como um sistema minimamente eficiente para impedir o contrabando de drogas e armas por nossas indefesas fronteiras nacionais.

O mais recente (e, aparentemente, longe de ser o último) ataque, com idênticas sistemática terrorista e ousadia, do crime organizado, desafiando a autoridade constituída para reprimi-lo, expôs, num piscar de olhos, a evidência de que não se impedirão novos atentados com promessas vazias nem com mudanças tópicas, mas, sim, com medidas duras e efetivas. Não vai ser substituindo, como fez o governo do Estado, o secretário da Administração Penitenciária que a polícia de São Paulo, cujo chefe, Saulo de Castro Abreu Filho, é desafeto do ex-titular e cujo desempenho se mede pelo pífio índice de solução de apenas 2,5% dos crimes de morte de autoria desconhecida, se tornará, de súbito, competente. Nem é tirando da gaveta projetos para endurecer a legislação penal e amealhar votos na eleição que o Congresso cumprirá seu dever de representar corretamente a sociedade, nesta hora em que o cidadão é ameaçado pela sanha da bandidagem. Pois, pelo mesmo objetivo (a disputa dos votos), esses textos já voltaram às gavetas, e em velocidade ainda maior.

Urge é agir em São Paulo, e no Brasil inteiro, como a Polícia Federal fez em Rondônia: apurar, investigar e processar os maus cidadãos que se aproveitam de mandatos eletivos ou de cargos de decisão nos três Poderes da República para delinqüir, protegidos pela força que têm - e é tanta que lhes garante impunidade total. Desde que a aritmética da representação política deu aos despovoados Estados do Norte poder desproporcional à sua importância sob qualquer ângulo - demográfico, econômico ou político -, era só uma questão de tempo que o crime organizado não apenas promovesse uma autêntica ocupação dos três Poderes nesses Estados como também viesse a exercer influência decisiva na gestão dos negócios republicanos. Essa prisão de chefes de Poderes naquela unidade da Federação é o resultado lógico do processo iniciado na motosserra com que o coronel Hildebrando Paschoal retalhava os temerários que o desafiavam.

O ministro Bastos e o presidente Lula têm todo o direito de se orgulhar do êxito do trabalho da Polícia Federal (PF), sob seu comando. Pena é que esse órgão da administração direta federal não esteja sendo tão eficiente no combate que lhe cabe ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando de armas, atividades fundamentais sem as quais o PCC não teria o poder e a força de que dispõe.

A série de operações bem-sucedidas da PF, desbaratando quadrilhas de colarinho branco em Estados pequenos e distantes dos centros de produção e consumo da economia nacional, dá ao presidente, em campanha para se reeleger, excelentes argumentos para convencer o eleitor a mantê-lo no trono. “Nunca antes, em tempo algum”, a PF prendeu tanto bandidão importante e foi tão eficaz. Nada mais conveniente neste instante em que os assassínios de Celso Daniel e Toninho “do PT”, o “mensalão”, o “valerioduto” e a máfia das sanguessugas disseminam a incômoda sensação de que a corrupção campeia, impune e incólume, no território nacional. E, até certo ponto, nada mais justo: essa caçada às ratazanas que se locupletam no Estado brasileiro tem seus méritos.

Infelizmente, contudo, para o contribuinte, que paga as contas públicas com impostos escorchantes sem receber serviços decentes nas áreas vitais da saúde, da educação e da segurança, e para o eleitor, de quem foi furtada até a fé no futuro, a PF do dr. Bastos e de Lula continua a dever algumas explicações. Por que os agentes que aterrorizam os meliantes de Rondônia dão indulgências plenas ao ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci e, com isso, frustram a esperança de Francenildo Santos Costa, o caseiro Nildo, que teve o sigilo bancário quebrado e a intimidade familiar devassada por subalternos daquele figurão petista? Sim, pois vê o ex-ministro gozar de liberdade total e disputar, com reais chances de êxito, um lugar na Casa em que se fazem as leis no Estado de Direito, cujo funcionamento, em tese, garante a igualdade a todos.

É possível aceitar a argumentação de que o caso Nildo-Palocci é recente e doar ao ex-ministro o benefício da dúvida. Mas o que dizer de Waldomiro Diniz, o ex-lugar-tenente do governo Lula nas relações com o Congresso? É público e notório que esse senhor foi filmado e gravado “achacando” um empresário da jogatina. E até hoje a Polícia Federal, que tanto orgulho merecidamente desperta no dr. Bastos e em seu chefe, Lula, não conseguiu produzir um relatório capaz de prover o Ministério Público de informações suficientes para pedir a instauração de um processo criminal contra o réu, mais que óbvio, confesso.

Por que o ministro da Justiça, em vez de se empenhar tanto para promover desfiles de tanques nas ruas de São Paulo, não arma para as ratazanas do cerrado ratoeira idêntica à usada por seus subordinados para pegar esses camundongos da floresta?

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