segunda-feira, 22 de maio de 2006

Artigo


Mensalão e PCC: o que há em comum entre os crimes?
Paulo G. M. de Moura, cientista político


Há poucos dias o crime organizado paralisou a maior cidade da América Latina e aterrorizou sua população com ações típicas de guerrilha urbana. Jornalistas indignados caíram de pau nos governos. Políticos oportunistas apressaram-se a propor novas leis inócuas. Especialistas concederam milhares de entrevistas com soluções para a segurança pública. O governo vai tirar uma casquinha eleitoral da oposição, responsabilizando Alckmin pela crise. A oposição vai tirar uma casquinha eleitoral do governo, responsabilizando Lula pela crise. Reprise de um filme que já vimos. Mais alguns dias e tudo estará abafado, esquecido, longe das manchetes e das primeiras páginas, até que a próxima ação espetacular do PCC ou do Comando Vermelho reative o círculo vicioso.

As únicas novidades desse fato foram a sua dimensão e o cenário principal. Os cidadãos de São Paulo tiveram o “privilégio” de experimentar, pela primeira vez, aquilo que os cidadãos do Rio de Janeiro já viram se transformar em rotina. Embora localizada em São Paulo, epicentro de crise, a reação do PCC extrapolou as fronteiras desse estado. Dentro e fora do sistema prisional brasileiro, detectaram-se fatos e indícios de uma tentativa de dar dimensões nacionais ao acontecimento.

Na profusão de opiniões técnicas sobre o crime organizado difundidas pela mídia, houve quem desdenhasse o poder de centralização do PCC, que teria reagido “por impulso” após a frustração de uma fuga em massa que a polícia paulista teria evitado. Difícil de acreditar que uma ação rápida e dessas proporções tenha sido produzida por impulso. É uma questão de tempo (pouco) até que organizações criminosas que se mostram capazes de tamanha ousadia cheguem ao estado da arte em termos de articulação, centralização e planejamento.

Há uma década atrás, quando o narcotráfico já tinha dimensões preocupantes como atividade “empresarial”, ninguém se atreveria a imaginar cenas como essas que vimos em São Paulo. Bastou Fernandinho Beiramar fazer um curso de pós-graduação com as Farc e importar da Colômbia a tecnologia da narcoguerrilha, e o status das ações do crime organizado mudou de patamar no Rio de Janeiro.

Sim, é preciso reconhecer, esse tipo de ação em que o crime organizado invade os territórios físicos da sociedade legal, corrompe autoridades, desafia a polícia e afronta o Estado, resulta da fusão entre as experiências do tráfico de drogas e armas com as organizações guerrilheiras latino-americanas que, no passado, tinham motivações ideológicas. Rebeldes sem causa após a falência do socialismo real, gerações e gerações de guerrilheiros aderiram ao narcotráfico, transformando o que antes era luta política em meio de vida. Narcoguerrilheiros e organizações de esquerda de vários países mantêm, no Foro de São Paulo, um canal de interlocução para articulação de ações em comum. A única diferença é que os companheiros das Farc em outros países da América do Sul, melhor sucedidos na vida, trilharam o caminho do assalto aos cofres públicos através de crimes do colarinho branco. Mas, sociologicamente falando, o fenômeno tem lá seus nexos.

Serei acusado de forçar a barra ao estabelecer um vínculo entre a “cultura do mensalão”, que se instalou e fincou raízes amplas e fortes nas relações entre os mais altos poderes da República, e a escala industrial que o crime organizado vai conquistando no país. Mas, é forçoso reconhecer as inúmeras coincidências que unem essas duas pontas do processo de decadência moral e degeneração institucional da nossa sociedade.

A lavanderia de dinheiro de uns e outros é a mesma. Autoridades corruptas servem a uns e outros. Os parlamentares brasileiros acabam de tornar relativas as leis quando aplicadas a seus crimes. Autoproclamaram-se inimputáveis por prática de caixa dois, compra e venda de votos e desrespeito à legislação eleitoral. A Justiça brasileira não deixa por menos e se esmera em soltar os bandidos que a polícia prende, minimizando o rigor da lei que ordena punições duras para praticantes de crimes hediondos.

Confesso que eu não ficaria surpreso se um cruzamento de dados entre as listas de corruptos - comprovados ou suspeitos - que circulam por aí a cada novo escândalo nas altas esferas da República, com os resultados das votações na Câmara dos Deputados, nas quais estão se anistiando os deputados envolvidos no mensalão, comprovasse que são muito mais de 300 os picaretas. E como esse tipo de coisa não se faz sem laços no poder Executivo, de onde sai nosso dinheiro para o bolso deles e onde se instalou o petismo, pouca distância se percorre até chegar-se à conclusão óbvia.

Seria uma tremenda injustiça afirmar que todos os petistas são corruptos. Também seria injustiça afirmar que a corrupção, no Brasil, começou com o governo do PT. Mas duvido que alguém se atreva a contestar a afirmação de que nunca antes se viu roubar dinheiro público com tamanha desfaçatez com se rouba sob o governo do senhor Luiz Inácio Lula da Silva. Da mesma forma, ninguém contestará a afirmação de que nunca antes se viu o crime organizado agir com tamanha ousadia e desfaçatez. Há sim, nexos entre uma coisa e outra. E o nome do nexo é impunidade, sob o manto da proteção e acobertamento oficiais. Quando não da cumplicidade.

Se os brasileiros, nas urnas de 2006, não derem o primeiro passo para começarmos a virar esse jogo, melhor apagar a luz, fechar a porta e ir embora. No ritmo em que a criminalidade avança, em breve será irreversível.

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