terça-feira, 30 de maio de 2006

Editorial - O Estado de S. Paulo - 25/05/06


Com a palavra o Supremo

Para convencer o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, a reconsiderar sua decisão de impedir que o deputado cassado José Dirceu fosse investigado sobre o esquema de cobrança de propina em Santo André, que estaria relacionado ao assassinato do prefeito Celso Daniel - decisão essa, do ministro Grau, baseada em outra de 2002, do ex-ministro Nelson Jobim, que não via indícios suficientes para a investigação -, o Ministério Público Estadual (MPE)apresentou ao STF uma nova, consistente e contundente testemunha, que confirmou, com convincentes pormenores, as suspeitas do MP paulista e os reiterados depoimentos dos irmãos do prefeito morto, João Francisco e Bruno Daniel, no sentido de ter-se tratado de um crime político. Essa testemunha é o secretário de Habitação de Mauá (município da Grande São Paulo), Altivo Ovando Júnior, também secretário à época daquela ocorrência, para quem "o então presidente do PT, José Dirceu, também tinha conhecimento da arrecadação de propina em Santo André, como relatava em reuniões no gabinete do prefeito".

Recorde-se que quatro meses depois do seqüestro e assassinato do prefeito Daniel - ocorrido em 18 de janeiro de 2002 - seu irmão mais velho, o médico João Francisco, comunicou ao MP ter ouvido de Gilberto Carvalho (hoje assessor especial do presidente Lula) que parte do dinheiro da propina, arrecadada de empresas prestadoras de serviços àquela prefeitura, era levada para Dirceu, então presidente do PT. Posteriormente, em depoimento prestado à CPI dos Bingos, o outro irmão, Bruno Daniel, confirmou a denúncia. O MP concluiu que uma "quadrilha organizada estável" tomou conta de setores da administração Celso Daniel, fazendo com que o dinheiro ilícito arrecadado se destinasse a campanhas eleitorais petistas. A suspeita maior é de que o prefeito tenha se tornado um arquivo, pronto a ser queimado, ao descobrir desvios para particulares, na destinação daqueles recursos.

Nas declarações prestadas, em fevereiro, ao Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público Estadual que investiga a corrupção e desvios de recursos públicos, e, mais especificamente, na entrevista que concedeu a este jornal na noite de terça-feira, Altivo Ovando Júnior afirmou que José Dirceu fora várias vezes ao gabinete do então prefeito de Mauá Oswaldo Dias (de quem Altivo era secretário da Habitação); que Dirceu falava, abertamente, sobre a obrigatoriedade do esquema de arrecadação de dinheiro, em favor do PT, que atingia todas as prefeituras sob administração petista. Indagado sobre os setores que faziam tais "contribuições", o secretário esclareceu: "Com lixo e construtoras era em todas as prefeituras. Era aberto, todo mundo sabia que envolvia construtoras, contratos de lixo, essas coisas. Hoje isso está público, todo mundo conhece. Mas eles sempre fizeram, sempre existiu essa indústria de arrecadar dinheiro, infelizmente."

Quando indagado sobre seu trabalho com a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, Altivo Ovando Júnior declarou: "Trabalhei por seis meses como superintendente de Projetos Viários da Prefeitura de São Paulo. Eu deixei o cargo pelo mesmo motivo pelo qual larguei a Secretaria de Habitação de Mauá, por problemas dessa natureza, de institucionalização da corrupção." E esclareceu: "Deixei quando vieram e me enquadraram: 'ou você faz ou está fora'. Saí na hora. Hoje todo mundo sabe dessa indústria de corrupção montada pelo PT. Mas ela já estava institucionalizada havia muito tempo."

Em sã consciência, com todos os episódios que vieram à tona por meio das CPIs, e, sobretudo, pelo fundamentado relatório do insuspeito procurador-geral da República, seria razoável rechaçar, in limine, as graves denúncias expostas por essa nova e qualificada testemunha? E será que o Supremo Tribunal Federal negará, mais uma vez (pela decisão monocrática de um de seus membros), a oportunidade de ser aprofundada a investigação sobre um crime tenebroso, durante cuja apuração houve tantas inexplicadas mortes - como a do perito Carlos Delmonte Printes, para quem Celso Daniel foi torturado antes de morrer? Com a palavra, agora, a mais alta Corte de Justiça do País.

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