quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

Para pensar

Estou postando a coluna do Prates de hoje no Diário Catarinense
Luiz Carlos Prates
05/01/2006
A menina das flores
Dia destes presenciei uma cena interessante. Mas antes de contá-la deixe-me dizer que o ser humano traça seu caminho na vida sem muitas vezes se dar conta disso. E é por isso que não se pode falar de pobreza na infância como alicerce de vida infeliz. Se assim fosse, todos os pobres seriam delinqüentes e infelizes. Bobagem. Sabemos que não é assim. Também vale dizer que se o fosse, os ricos seriam bem-aventurados e amoráveis, argh! Não é o que mais se vê. A Natureza foi sábia, deu-nos, por igual, chances de crescer e ser, ainda que a primeira cama tenha sido no chão... A cena de que quero tratar foi-me vivida numa sinaleira aqui da cidade. Parei o carro e vi de um lado uma garota, quase criança, oferecendo, vendendo flores aos motoristas. Do outro lado, na mesma esquina, dois pivetes, dois guris, pedindo uma moeda aos "tios". Ferveu-me o sangue. Por que a menina vendia flores, trabalhava, e os pivetes "pediam" dinheiro? Por que não vendiam balas ou engraxavam sapatos? Por que pedir com cara de sofrimento quando a cara foi ensaiada? Ah, tu és um monstro, Prates! Sou, claro que sou. Só que nessa mesma sinaleira, lá em cima, pendurada num fio, uma placa avisada: Não dê esmolas. Claro que não dei. A menina que trabalhava sob sol forte, cáustico, se encaminha para uma vida saudável, a vida do trabalho. Ela saberá quanto vale o dinheiro gerado pelo suor. E os pivetes, e os "docinhos", e os guris, saberão do valor desse dinheiro, se vivem hoje a pedi-lo? Sei que pelas razões que exponho sou detestado por algumas "educadoras", falsas educadoras, por muitos "professores" de universidades, falsos professores, sei disso. É o preço, mas como dizia Machado de Assis, a verdade é remédio muito amargo mas é o único que nos pode conferir saúde moral." É dessa saúde que a sociedade mais precisa. Daqui a pouco, a menina das flores crescerá, continuará trabalhando, buscando trabalho. E os pivetes, quero dizer, e os guris? Será que vão engrossar a fila falaciosa dos que se dizem "excluídos"? Será que a mãe daquela menina a obriga a trabalhar? Admitindo até mesmo que o faça, e daí? Cai pedaço? E a mãe, nem falo dos omissos ou desconhecidos pais, dos meninos por que não faz o mesmo, os obrigando a trabalhar? E desde quando trabalhar tira pedaço de criança, desde quando é crime? Crime é mandar filhos não-desejados pedir trocados na esquina, e isso quando só vão pedir, dá para entender? Costuramos, sim, o nosso destino na vida. Por que aquela pobre menina pode torrar-se ao sol vendendo flores e uma "cocotinha" bem-nascida não pode arrumar a cama? A menina pobre crescerá para o trabalho, e a "cocotinha" do shopping? Será que vai ser educada para casar com um bom partido? Além de trabalhar, a garota das flores nos oferece o que, talvez, há muito tempo esquecemos de dar ao nosso amor: uma flor. A guriazinha faz um bem à sociedade.

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