segunda-feira, 10 de julho de 2006

Artigo

Futebol à parte
Marcos Cintra - FSP


A AUTO-ESTIMA dos brasileiros está arrasada. E não é para menos. Os acontecimentos recentes são deprimentes.

Uma nação precisa sentir orgulho de si mesma para poder avançar com otimismo e espírito de luta. Necessita de líderes que formulem projetos e apontem caminhos. Mas, futebol à parte, o país acha-se em depressão, órfão, e sem alternativas capazes de estimular os cidadãos a querer participar de um projeto nacional.

Creio que foi Getúlio Vargas quem disse que o Brasil era um país de gente honrada dirigido por corruptos. Os acontecimentos dos últimos anos comprovam essa triste avaliação sobre nossa elite dirigente.

Corrupção e enriquecimento ilícito tornaram-se fatos corriqueiros e tolerados pela população: os anões do Orçamento, a compra de votos no Congresso, o valerioduto, os sanguessugas, os vampiros do Ministério da Saúde e os gafanhotos de Roraima... Fatos graves como esses derrubariam governos e fariam revoluções em países ciosos de seus direitos. Aqui viraram "folclore", como vaticinou nosso presidente da República em entrevista recente à televisão. A culminação dessa injustificável tolerância está sendo plenamente completada com a provável reeleição do grupo político que chafurdou na lama à vista de toda a nação.

O mensalão não é apenas uma ação de quadrilheiros roubando em benefício próprio. Sempre houve ladrões, aqui e no resto do mundo. É da natureza humana. Mas no Brasil é mais do que isso. Criou-se uma organização criminosa, uma estrutura político-social organizada, incrustada no poder, agindo de maneira sistêmica e orgânica, comprando votos e consciências e violentando o funcionamento das instituições republicanas.

Tudo isso afasta da política os homens bem-intencionados, criando uma reserva de mercado e um vasto campo de atuação para os setores podres da sociedade que fazem da política e da atividade pública uma profissão, tendo como única meta atingir seus objetivos pessoais. A política deixa de ser uma contribuição que os cidadãos devem sentir-se moralmente obrigados a oferecer circunstancialmente aos demais concidadãos e passa a ser um meio de vida. Homens públicos abandonam suas atividades profissionais e passam a depender da política para garantir sua sobrevivência. Pessoas nessas circunstâncias tornam-se capazes de tudo e de qualquer coisa para sobreviver. Em vez de profissionalizar a administração pública, como fazem os países avançados, profissionaliza-se a política, que passa a substituir o burocrata de carreira (no bom sentido) na gestão do Estado.

Quando as elites se locupletam, o povo sente-se legitimado para fazer o mesmo.

Os meios de comunicação glorificam desvios de conduta éticos e morais. Novelas principalmente, escoradas no princípio inquestionável da liberdade de opinião e estimuladas pela desbragada luta por audiência, desafiam a consciência dos cidadãos que ainda possuem algumas referências para discernir o certo do errado. A apologia da malandragem, da ganância, da luxúria e de outros vícios corrói instituições e valores tradicionais como a família e a convivência pacífica e civilizada entre pessoas.

A acintosa ostentação dos ricos é ofensiva e aguça a violência. A indústria do medo prospera de forma assombrosa. A propriedade privada passou a ser um direito relativo com a inatividade do governo ante as invasões de terras e de imóveis urbanos. A depredação de bens não é mais punida, desde que seja protegida sob o manto dos "movimentos sociais". O poder público se omite e complacentemente tenta acomodar a situação. O Brasil beira a afronta institucional com o recente episódio do ataque à Câmara dos Deputados.

E, enquanto tudo isso ocorre, a chamada "sociedade civil organizada" apenas esboça reação com inúteis mobilizações midiáticas que em geral posicionam-se contra, corretamente, muitos aspectos de nossa vida institucional, mas mostram-se incapazes de serem a favor de algo capaz de avançar na busca de soluções efetivas. Mobilizam, sem propor. Deixam a impressão de terem apenas objetivos políticos eleitorais.

Só uma revolução salva este país. Revolução de idéias, e disposição para mudar.

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MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 60, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org

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